Financiamento de longo prazo: perspectivas

Luiz Fernando de Paula e Manoel C. C Pires

John Maynard Keynes, em artigo publicado em 1937, ao analisar o processo de financiamento da formação de capital, descreveu tal processo como tendo duas etapas: uma primeira, no qual a provisão de moeda permite que a despesa de investimento seja implementada ("finance"), ou seja, a demanda por moeda provida
pelo setor bancário no momento em que a firma decide investir; e uma segunda, no qual a poupança ex-post é utilizada para consolidar dívidas para a despesa de investimento ("funding"). O funding é o processo de transformação de dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo, de modo a tornar compatível a maturidade e montante das obrigações da firma investidora vis-à-vis o retorno esperado dos investimentos.

O funding deve ser estimulado por meio de uma estrutura de passivos financeiros nos bancos e nas empresas emissoras de títulos com características de longo prazo. É essa estrutura de passivos de longo prazo que estimulará os bancos (e investidores) a aplicarem em ativos de longo prazo, permitindo assim que se estruture o financiamento dos investimentos. Além de criar opções para as captações financeiras de longo prazo é importante reduzir a competitividade de produtos financeiros com
características de curto prazo que acabam por desestruturar a curva de retorno das aplicações dos recursos.

Um importante gargalo para o crescimento da economia brasileira é a baixa taxa de investimento - fruto em boa medida da falta desse funding de longo prazo. Mesmo quando o escasso funding está disponível, as taxas de juros cobradas são muito elevadas de forma que apenas projetos com retorno muito elevado se tornam viáveis.

Política monetária será mais potente com a redução das LFTs e a nova regra para remunerar a poupança

A solução que tem sido utilizada pelo governo nos últimos anos foi permitir ao BNDES uma atuação mais proativa no financiamento de longo prazo das empresas - o seu volume de empréstimos cresceu de cerca de R$ 150 bilhões (valores atualizados para dezembro de 2009) em meados de 2006 para R$ 280 bilhões em dezembro de 2009, o que permitiu o aumento da taxa de investimento da economia. De fato a taxa de investimento, em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), cresceu de 15,8% no
quarto trimestre de 2006 para 19,2% no primeiro de 2010, oscilando entre 19% e 20% desde então. Em paralelo a esse processo, é importante destacar que outras soluções com caráter de longo prazo estão sendo adotadas.

Com vistas à estruturação de funding de longo prazo, duas iniciativas adotadas recentemente, no âmbito da política fiscal são importantes: 1) a criação do fundo de previdência do funcionalismo público; e 2) o fundo social com recursos do petróleo da camada pré-sal. A criação desses dois fundos deverá aumentar a oferta de recursos com perfil de longo prazo que estimularão a criação funding adequado para investimento.

Em relação aos instrumentos financeiros cumpre destacar a importância de algumas inovações que buscam dar maior completude ao mercado de capitais, como o lançamento das letras financeiras, mecanismo de captação de recursos para prazo mais longos por parte dos bancos (prazo mínimo é de dois anos). Para estimular o uso desse tipo de instrumento, é importante aprofundar a redução gradativa da oferta de Letra Financeiras do Tesouro (LFTs), instrumento de financiamento de dívida pública com elevada liquidez cuja remuneração é indexada a taxa Selic. Como vantagem adicional, a eliminação das LFTs também aumentará a potência da política monetária por meio do efeito riqueza.

A conjuntura recente de queda da taxa de juros criou um ambiente favorável à redução das LFTs. No Brasil, o anacronismo de haver uma taxa de juros que é utilizada para fazer política monetária e que ao mesmo tempo remunera parte (mais de 30%)dos títulos públicos produz efeitos deletérios sobre o desenvolvimento do mercado de títulos de longo prazo por reduzir sua atratividade. Em termos de política monetária, a política de juros tem seu canal de transmissão parcialmente prejudicado pelo fato de que parte da riqueza financeira não perde valor por ocasião de uma elevação na taxa de juros. Neste sentido, o governo recentemente acelerou o processo de redução das LFTs com efeitos positivos tanto do ponto de vista da estruturação de funding de longo prazo quanto da política monetária.

Uma questão relevante se refere à recente mudança da fórmula de remuneração das cadernetas de poupança - que passa a ser remunerada em 70% da taxa Selic quando ela for inferior a 8,5%, e quando for superior a 8,5% pelo sistema até então vigente. Esta medida, em conjunto com a redução das LFTs, deverá elevar ainda mais a potência da política monetária, tendo em vista que parte do passivo dos bancos flutuará conforme a Selic (isto é, depósitos de poupança), enquanto que o ativo
dos bancos (com a redução das aplicações em títulos indexados a Selic) passa a ser denominado fundamentalmente a taxas prefixadas. Assim, o risco de juros dos bancos - decorrente do descasamento de maturidades entre passivo (curto) e ativo bancário (mais longo) - aumentará fazendo com que a política monetária se transmita mais fortemente pelo crédito, que passa assim a ser um canal de transmissão cada vez mais importante. Além disso, essa mudança deverá estimular os bancos a criarem produtos
mais atraentes com perfil de longo prazo para seus clientes, de modo a diminuir o referido descasamento e contribuindo adicionalmente para a estruturação de funding.

Todas essas mudanças recentes na estrutura financeira da economia brasileira podem dar um grande impulso para a estruturação do funding de longo prazo, ajudando a taxa de investimento da economia a retomar uma trajetória virtuosa de crescimento, de modo a alcançar níveis compatíveis com uma taxa mais elevada de expansão econômica.

Fonte: Valor Econômico – 11/06/2012