Finanças Pessoais

Incógnitas dificultam planejamento financeiro da aposentadoria

Tarde demais descobrir, aos 65 anos de idade, que o valor acumulado durante mais de 30 anos não foi suficiente para bancar sua aposentadoria.

A você só restará adiar seus planos de aposentadoria e continuar trabalhando; viver com muito menos dinheiro ou, ainda, perder sua independência e autonomia e contar com a ajuda dos filhos ou de parentes para sobreviver.

Para não ser personagem dessa história, alguns cuidados especiais são necessários no planejamento financeiro desse projeto de vida.

A acumulação do capital necessário para financiar sua aposentadoria pode ser feita de duas formas: por conta própria, assumindo os riscos de viver mais tempo do que você imaginava, ou comprar uma renda vitalícia de um plano de previdência e transferir para a seguradora o "risco" de uma vida longa.

Qualquer que seja o seu modelo de acumulação de capital é necessário definir algumas premissas fundamentais: valor disponível no orçamento atual para depósitos mensais, valor desejado no futuro, tempo de acumulação, tempo de benefício e taxa de juros.

INCÓGNITAS

Algumas dessas premissas podem ser definidas sem dificuldades porque dependem exclusivamente de cada um de nós. Outras são incógnitas de difícil previsão.

A primeira incógnita se refere à longevidade, ou seja, quantos anos vamos viver.

Essa informação definirá o tempo durante o qual o benefício da renda mensal futura deverá ser pago.

Se pretendo me aposentar aos 65 anos e imagino viver mais 20 anos, preciso acumular capital menor do que alguém que tem expectativa de viver mais 25 anos.

No caso dos planos de previdência, por exemplo, as seguradoras utilizam as tábuas atuariais que estimam a probabilidade de sobrevivência e morte de um grupo de pessoas.

Essa informação estatística é utilizada para definir o valor do benefício a ser pago quando o capital acumulado é convertido em renda mensal vitalícia.

A segunda incógnita é a taxa de juros.

Determinar a taxa de juros dos próximos 30 anos é desafio até mesmo para os ganhadores de prêmios internacionais de economia.

Um erro significativo na estimativa dessa variável pode comprometer todo o planejamento e apontar números pouco prováveis.

A definição da taxa de juros é particularmente difícil porque a economia brasileira tem um histórico de estabilidade relativamente curto e ainda não sabemos qual é nossa taxa "estável" de juros.

Além disso, precisamos atentar para dois conceitos importantes: devemos estimar a taxa de juros real, acima da inflação, e considerar a incidência de impostos sobre a renda futura. Precisamos estimar, portanto, a taxa de juros real líquida.

SIMULAÇÃO HÁ DEZ ANOS

Muitas das simulações feitas há dez anos utilizaram taxa de juros igual ou superior a 12% anuais no planejamento dessa renda e construíram sonhos que não irão se realizar.

Com base na taxa de juros básica atual, de 8,5% ao ano, inflação de 4% e Imposto de Renda de 10%, é razoável estimar uma taxa real líquida de 3,9% ao ano, muito inferior à taxa estimada há dez anos.

José, por exemplo, tem 45 anos e pretende aposentar-se aos 65 anos com renda mensal vitalícia de R$ 3.000.

Há dez anos, ainda com 35 anos de idade, comprou um plano de previdência complementar para assegurar essa renda, necessária para complementar seu fluxo de caixa.

A simulação feita na época, com taxa de juros de 12% ao ano e AT-2000 (tábua atuarial), indicou que José deveria depositar R$ 200,90 por mês, durante 30 anos, para alcançar seu objetivo (ver a simulação 1 no quadro).

Decorridos dez anos, José percebe que a rentabilidade real média foi de cerca de 8,7% ao ano, inferior à estimada, e seu saldo atual é de R$ 37.525.

Ele então procura sua seguradora para rever a simulação com números mais conservadores.

SIMULAÇÃO HOJE

O valor futuro de R$ 702.143,33 continua inalterado. Consideramos que esse montante acumulado não irá gerar juros reais durante o período de benefício e será igual a zero quando José morrer, aos 85 anos, segundo estimativa da AT-2000.

A nova simulação será conservadora e utilizaremos taxa de juros média de 3,9% ao ano, mais compatível com o cenário econômico atual e futuro (ver a simulação 2 no quadro).

Imagine o susto de José ao perceber quão distante de seu objetivo ele está.

Terá de aumentar o valor dos depósitos mensais ou assumir mais riscos nos investimentos numa tentativa de ampliar a rentabilidade no longo prazo. Ou talvez adiar a data de início do benefício e prolongar o período de poupança a fim de acumular o montante suficiente para gerar a renda futura necessária.

Se a taxa de juros for maior do que a estimada na simulação conservadora, tanto melhor. José terá uma renda futura maior e poderá viver sua melhor idade com mais conforto!

MARCIA DESSEN, Certified Financial Planner, é sócia e diretora-executiva do Brazilian Management Institute, professora convidada da Fundação Dom Cabral e cofundadora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros.

Fonte: Folha de S.Paulo – 11/06/2012