Disciplina da retirada de patrocínio prestes a ser aprovada

Há pelo menos dez anos o sistema de Previdência Complementar Fechada aguarda uma nova resolução que discipline os processos de retirada de patrocínio, fusão, cisão, incorporação e migração de planos de benefício, mas a longa espera, felizmente, parece estar chegando ao fim. Após infindáveis discussões e consulta a todas as partes interessadas, uma minuta de resolução que estabelece procedimentos em casos de retirada de patrocínio deverá ser encaminhada ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) até abril deste ano. A ideia é promover a melhoria da norma que rege a matéria, que data de 1988 e é considerada ultrapassada. Apesar de ainda haver muito mistério em relação ao que a nova regra deverá trazer, seus idealizadores garantem: os direitos do participante serão resguardados ao passo que haverá maior clareza dos passos a serem dados por aqueles que desejam sair do sistema, condição primordial para o seu fomento.

No ano passado, o Conselho Nacional de Previdência complementar definiu como prioridade máxima a definição de padrões a serem adotados pelas fundações em casos de reorganização societária. Criou-se então uma comissão temática com representantes de todos os integrantes do Conselho (fundos de pensão, patrocinadores, participantes, Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Casa Civil, Previc e Ministério da Previdência), cuja coordenação ficou sob responsabilidade de José Edson da Cunha Júnior, Secretário Adjunto da Secretaria de Políticas da Previdência Complementar (SPPC).

Duas etapas

Tendo em vista a grande complexidade do tema, a comissão achou por bem tratar primeiro da Resolução que disciplina a Retirada de Patrocínio e que, por si só, já contém vários pontos polêmicos. Os “desafios” foram divididos em dois: o primeiro foi a questão do patrocínio e o segundo será a formulação de uma regra que definirá os aspectos referentes à transferência de gerenciamento, fusão, cisão e incorporação. Após a realização de seis reuniões dedicadas ao tema, a expectativa é que a primeira minuta de Resolução seja apresentada ao colegiado do CNPC em sua próxima reunião, no fim de março/início de abril.
Em pauta estão a racionalização dos procedimentos, que visa torná-los mais simples e transparentes, a busca por mais segurança no que se refere aos direitos adquiridos dos assistidos e elegíveis, a possibilidade de manutenção de plano sem patrocinador e a destinação do superávit no caso da extinção do plano. Se sob o ponto de vista do participante a vantagem é que seus direitos serão preservados, no que tange ao patrocinador a intenção é ter, de forma mais clara, os critérios sob os quais irá atuar em determinadas situações. “É importante que a empresa patrocinadora possa visualizar a porta de entrada e a porta de saída do sistema”, ressalta o Secretário Adjunto da SPPC, acrescentando ser essa uma condição básica para o desenvolvimento do regime.

Equilíbrio entre fomento e respeito a direitos

No entanto, encontrar um ponto de equilíbrio entre o efetivo respeito aos direitos adquiridos e o apelo pelo fomento de patrocínios não tem sido uma tarefa fácil. “Por exemplo, qual é a precificação que iremos utilizar na data da retirada do patrocínio? O plano vinha utilizando a AT-83 mais 6%. Devemos manter a mesma precificação ou optamos por outra? São questões como essas que ainda estamos definindo”, informa José Edson da Cunha Junior. Atualmente, o cálculo da retirada de patrocínio tem como base a data em que foram interrompidas as contribuições para o plano. As reservas matemáticas individuais são calculadas nessa data-base e não há recálculo dos valores apurados, apenas a sua atualização financeira até a data em que são pagos aos participantes ou transferidos para outro fundo de pensão ou entidade aberta. Os assistidos têm respeitados seus direitos e o valor apurado corresponde ao total da reserva matemática prevista para pagar seus benefícios até o final da vida (quando o arranjo prevê renda vitalícia).

Esse é apenas um dos procedimentos ditados pela Resolução CPC nº 06, de abril de 88, norma que se encontra bastante defasada, argumentam especialistas, tendo em vista que foi concebida antes do multipatrocínio, dos planos de Contribuição Definida (CD) e dos multiplanos. A hipótese de retirada de patrocínio também é contemplada pelo Art. 202 da Constituição Federal e pelo Art. 25 da Lei Complementar 109/2001. A LC 109 determina ainda ser atribuição da agência de supervisão analisar e aprovar previamente os processos dessa natureza. A questão é que, na ausência de regulamentação mais atual, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) vem adotando parâmetros definidos internamente, havendo casos em que impôs a obrigatoriedade de se extinguir o plano objeto de retirada, a suspensão das contribuições a partir da data em que o patrocinador resolve se afastar e mudanças do regulamento do plano durante o processo.

Nesse contexto, há grande expectativa em torno da aprovação da nova Resolução que, segundo seus idealizadores, deverá trazer muitos aprimoramentos em relação à regra que vigora atualmente. A fim de garantir que a nova norma seja de alto nível técnico, a Comissão responsável contou com diversas reuniões presenciais em que não apenas seus integrantes, mas também advogados e consultores externos convidados têm participado efetivamente, compartilhando experiências próprias e políticas adotadas por outros países em situações semelhantes.

Experiência americana

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei ERISA (Employee Retirement Income Security Act), que rege o universo da Previdência Privada Fechada, prevê o fechamento do plano de benefícios caso o patrocinador não tenha mais condições ou disposição de continuar aportando recursos ao programa. No entanto, o empregador deve cumprir certas exigências a fim de que os direitos dos participantes sejam assegurados. Em determinados tipos de arranjo - a exemplo daqueles que gozam de vantagens tributárias (tax-qualified plans), os benefícios já fundeados devem ser 100% garantidos imediatamente após o fechamento total ou parcial do plano.

Os patrocinadores que contam com o apoio do Programa para Fechamento de Planos (Termination Insurance Program) do Pension Benefit Guarantee Corporation (PBGC), o esquema garantidor do país, também podem optar pela retirada de patrocínio contanto que tenham ativos suficientes para garantir o pagamento de todos os direitos adquiridos pelo participante. Similarmente, nesses casos, os responsáveis pela gestão do arranjo previdenciário devem cumprir uma série de exigências, além de prazos específicos e bem delineados constantes no regulamento do PBGC, fornecendo ao mesmo uma série de informações sobre a massa de participantes, investimentos e valor dos ativos, dentre outros aspectos atuariais.

Durante o processo de fechamento do plano de pensão, os gestores responsáveis devem continuar conduzindo as operações do fundo normalmente (coleta de contribuições, investimento de ativos, empréstimos a participantes, etc.). Em contrapartida, eles ficam proibidos de firmar compromissos irrevogáveis visando o provimento de benefícios e pagar quaisquer benefícios vinculados às contribuições da patrocinadora (com exceção de pensão por morte).

Ao final do processo, a patrocinadora deverá optar entre a aquisição de anuidades para os participantes ou o pagamento dos valores devidos na forma de pecúlio (caso o regulamento do plano permita). Se as anuidades vierem a ser a opção escolhida, cabe aos administradores do programa emitir um documento contendo as especificações desses instrumentos com vistas a prover todas as informações necessárias às partes dentro de um prazo de 45 dias antes da anuitização propriamente dita - e até trinta dias após os ativos serem distribuídos. Tal distribuição, por sua vez, deve preservar os direitos adquiridos pelos participantes e em períodos máximos que podem variar entre dois a três meses após a aprovação da retirada de patrocínio pelo esquema garantidor. A regulação também possibilita a transformação de planos BD em CD.

Se, por ventura, os administradores do plano não cumprirem as exigências impostas pelo PBGC ou não respeitarem os prazos estipulados, o fechamento do plano pode ser anulado, fazendo com que o mesmo continue aberto e funcional. E caso ainda seja da vontade do patrocinador se retirar do programa, ele deverá reiniciar todo o processo junto ao Pension Benefit Guarantee Corporation e propor uma nova data de fechamento. Também é facultado ao PBGC impor penalidades quando os prazos ou os requerimentos não são cumpridos, com multas que podem chegar a US$1.100 por dia de atraso no provimento de determinadas informações. Contudo, na prática, as multas impostas aos planos costumam ser bem mais modestas: US$ 25 por dia nos 90 dias iniciais e US$ 50 nos dias subseqüentes, com valores ainda mais baixos sendo aplicados aos arranjos de menor porte.

A Lei ERISA também permite alterações no regulamento do plano sob determinadas circunstâncias. Para os programas com 100 ou mais participantes, quaisquer mudanças não poderão resultar em redução significativa no acúmulo de benefícios futuros contanto que, pelo menos 15 dias antes, os gestores do plano informem participantes, beneficiários e entidades representativas dos trabalhadores sobre a data em que será feita a alteração. Nos planos menores, os principais stakeholders precisam ser notificados com pelo menos 45 dias de antecedência.

Experiência inglesa

Na Inglaterra, a legislação prevê a retirada de patrocínio no caso de reorganizações societárias, dificuldades financeiras ou ausência de vontade do patrocinador em continuar contribuindo para o plano de pensão de seus empregados. Uma vez tomada a decisão, estabelece-se uma data para o fechamento do plano e notifica-se os interessados. O próximo passo é a condução de análise detalhada dos ativos e passivos do arranjo, bem como da forma como os recursos serão divididos entre os participantes.

Ao contrário do que acontece nos EUA, onde a retirada de patrocínio se dá de forma relativamente simples e célere, no Reino Unido o processo é lento e pode levar de 18 meses a mais de dez anos para ser concluído. Tamanha demora é atribuída à análise que os trustees (conselheiros) do plano devem fazer da situação atuarial do plano, procedimento que pode se prolongar ainda mais em situações de insolvência da patrocinadora, quando nem sempre os documentos pertinentes ao programa encontram-se devidamente arquivados.

Nessa fase os trustees também precisam liquidar os investimentos do plano, o que não costuma ser tarefa fácil, sobretudo em épocas de baixa nos mercados. No entanto, há outros fatores que podem acarretar atrasos no processo de retirada de patrocínio e fechamento do plano de pensão, explica Robin Ellison, Chefe de Desenvolvimento Estratégico para a Área Previdenciária do escritório de advocacia britânico Pinsent Masons: dupla interpretação de estatutos e regulamentos; cálculo dos benefícios devidos quando os mesmos complementam a renda a ser provida por programas estatais de aposentadoria, disputas judiciais, apuração de déficits ou superávits e a falta de informações atuariais detalhadas, entre outros. O problema é que os participantes que atingirem a idade de aposentadoria durante o estágio de apuração dos níveis de fundeamento do plano correm o risco de não ter garantia de integralidade dos benefícios.

Os direitos de cada participante ativo são calculados com o objetivo de compra de uma anuidade ou a transferência dos recursos para um plano de escolha do interessado, que pode ser oferecido pela Previdência Complementar Aberta ou por outra empresa (se o indivíduo tiver mudado de emprego). A agência HM Revenue & Customs - espécie de Receita Federal do país - somente autoriza a devolução das contribuições do participante quando ele estiver filiado ao plano por menos de dois anos. Caso contrário, os recursos só podem ser recebidos na modalidade de benefício previdenciário.

Também é facultada a compra de anuidades coletivas para grupos de participantes, transação que recebe o nome de bulk buy-out. Quando o plano já é segurado por uma determinada seguradora, a compra de anuidades desse tipo pode ser bastante interessante, já que as companhias tendem a oferecer condições mais vantajosas de anuitização a clientes antigos. Os valores mensais a serem pagos ao participante normalmente permanecem ‘congelados’ e só podem ser sacados no ato da aposentadoria. No caso dos pensionistas, são contratadas anuidades imediatas. Em determinadas situações, também é possível sacar os recursos de uma só vez.

Eventuais superávits costumam resultar em benefícios adicionais para o trabalhador, cabendo aos responsáveis pelo plano definir os critérios de concessão. Para tal, não raramente é necessária anuência do empregador, que também pode vir a ter direito à parte dos fundos excedentes (disputas judiciais envolvendo questões dessa natureza são comuns no país e ajudam a prolongar consideravelmente o processo de retirada de patrocínio e fechamento do arranjo). Vale ressaltar ainda que nos casos de excesso de fundeamento os benefícios só podem ser aumentados até um determinado teto imposto pela Receita Federal e contanto que após o seu pagamento ainda haja recursos excedentes no programa.

Desde abril de 2007 os participantes devem ser informados pelos conselheiros do fundo sobre todos os procedimentos de fechamento e as medidas que estão sendo tomadas para a distribuição de superávits ou o equacionamento de déficits, podendo até participar do processo decisório. Caso discordem com o que foi definido, lhes é facultado o direito de se reportar à agência de fiscalização (The Pension Regulator - TPR) e registrar formalmente uma reclamação. E se o regulamento do plano não permitir a reversão de valores à empresa patrocinadora, seus representantes também podem recorrer ao TPR para tentar reverter a situação.

Quando um déficit é apurado, o mesmo passa a ser considerado uma dívida do empregador/ patrocinador para com o plano de benefícios. Contudo, os participantes e beneficiários podem vir a ser convocados para ajudar a sanar tal desequilíbrio mediante aviso emitido pelo gestor do programa com pelo menos três meses de antecedência. O interessante é que nos casos em que os déficits são decorrentes de fraudes ou roubos dos ativos há a possibilidade dos trustees reaverem os recursos por meio do Conselho de Compensação Previdenciária (Pensions Compensation Board).

Opção ao fechamento

De fato, no Brasil e no exterior, os casos de retirada de patrocínio costumam resultar no fechamento do plano de pensão. Entretanto, é crescente o número de empregadores e autoridades que buscam alternativas para que os participantes e beneficiários não fiquem desprotegidos em situações como essa. Uma solução que vem ganhando adeptos e que pode vir a ser consolidada pela nova Resolução que esta prestes a ser aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) é o instituto do autopatrocínio que, segundo as normas vigentes, não é permitida nos casos em que o patrocinador se retira.

A portabilidade dos direitos adquiridos pelo participante de um plano BD para um arranjo CD também vem ganhando espaço. “Para que isso aconteça, são necessários apenas bons procedimentos de governança, cálculos adequados dos níveis de contribuição e canais de comunicação eficazes”, argumenta o advogado britânico Robin Ellison. Por exemplo, no início do processo de retirada, pode ser complicado para o patrocinador informar aos participantes, com precisão, o que acontecerá com o seu plano e suas perspectivas previdenciárias. Sendo assim, sugere o especialista britânico, o ideal é que os funcionários sejam constantemente informados dos princípios gerais que norteiam o processo de migração, tais como o objetivo de manter os custos dos benefícios num determinado patamar. Dessa forma é possível controlar a ansiedade do participante. “Caso seja do interesse do empregador iniciar um processo de consulta junto ao corpo funcional, também é primordial que haja bons canais de comunicação. Como decisões importantes deverão ser tomadas, os interessados precisam entender, com a máxima clareza, quais são as opções disponíveis”, acrescenta Ellison.

Fonte: Revista Fundos de Pensão – Março/Abril 2012