Demografia ajuda educação

Apenas entre 2009 e 2011 houve queda de 1,8 milhão de matrículas na rede pública do ensino fundamental. Há mais de uma explicação para essa redução. A mudança demográfica é uma delas

Cristiano Romero

Além de demagógica, a decisão da Câmara dos Deputados de aumentar para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) os gastos públicos com educação ignorou as transformações demográficas em curso no país. Com o envelhecimento da população, o número de pessoas em idade escolar está diminuindo. Apenas entre 2009 e 2011 houve queda de 1,8 milhão de matrículas na rede pública do ensino fundamental. Há mais de uma explicação para essa redução. A mudança demográfica é uma delas.

O economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a diminuição da população de crianças e jovens em razão da transformação demográfica facilitará a tarefa de melhorar a educação brasileira nos próximos anos. "Em 2010, havia 47,1 milhões de pessoas em idade escolar, mas, em 2020, haverá 41,5 milhões, uma redução de 5,6 milhões", diz ele.

Arbache faz um cálculo revelador. Nos últimos oito anos, a economia brasileira cresceu, em média, 4,3% ao ano. Neste momento, por causa da crise mundial, está crescendo bem abaixo disso, mas a tendência dos próximos anos é voltar a avançar numa velocidade mais próxima do chamado PIB potencial. Se isso ocorrer e se o setor público (União, Estados e municípios) mantiver o atual nível de gasto com educação - 5,08% do PIB em 2011-, será possível aumentar o investimento por aluno em 45% entre 2010 e 2020, já descontada a inflação.

Envelhecimento da população e expansão do PIB ajudam educação

"Juntas, economia e demografia farão os investimentos públicos em educação por aluno saltarem de 20% para 25% do PIB per capita no mesmo período, taxa elevada para padrões internacionais", observa o professor da UnB. "É óbvio que quem conhece o Brasil e tem algum bom senso apoia a substancial melhoria da qualidade da educação, mas acho que o caminho sugerido [o aumento puro e simples do gasto para 10% do PIB, uma espécie de número mágico] poderá trazer mais problemas que soluções."

O Brasil vem elevando já há algum tempo o dispêndio do Estado com educação. É só lembrar que em 2003 o gasto era equivalente a 3,9% do PIB. Em 2007, a educação pública já consumia 4,3% do PIB; em 2009 chegou a 4,7% do PIB e, no ano passado, a 5% do PIB.

O aumento dos investimentos certamente contribuiu para dois ganhos importantes nesse período: a universalização do ensino básico e a melhora dos salários dos professores. O que não acompanhou o ritmo de mudanças foi a qualidade do ensino, apontada de forma unânime por especialistas, à direita e à esquerda do espectro político, como o calcanhar de Aquiles da educação no Brasil.

A elevação do gasto público com educação para 10% do PIB, no espaço de dez anos, foi aprovado no âmbito do Plano Nacional de Educação (PNE), que está em discussão no Congresso Nacional. O Ministério da Educação estima que, para viabilizar esse aumento de despesa, o governo teria que retirar R$ 85 bilhões do orçamento anual de outros ministérios da área social.

Tirar esse dinheiro de outras rubricas obrigaria o governo certamente a sacrificar programas sociais de combate à miséria bem-sucedidos, como o Bolsa Família. Inviabilizaria também o financiamento de orçamentos importantes, como o da previdência e assistência social.

Jorge Arbache chama a atenção para o fato de que o envelhecimento da população obrigará o governo a destinar mais recursos, nas próximas décadas, à saúde pública e ao pagamento de aposentadorias e pensões. "Já em 2026, a população em idade escolar, na faixa etária de 4 a 17 anos, será ultrapassada pela população acima de 60 anos", diz o economista.

É preciso considerar, portanto, que a fixação de um percentual elevado e irrealista de PIB para gastos com educação "tende a conflitar com as necessidades fiscais futuras decorrentes do contínuo aumento da população de idosos". O problema da previdência, como se sabe, já é de difícil solução mesmo antes do envelhecimento previsto para a população brasileira nos próximos anos. A previdência, principalmente a do setor público, já é bastante deficitária - o rombo anual de ambas soma R$ 100 bilhões.

A ideia de que simplesmente jogar dinheiro do helicóptero vai melhorar a educação no Brasil é um grande equívoco. Especialistas afirmam que o problema não está na falta de recursos. O país já desembolsa nessa área o equivalente ao gasto médio realizado por países desenvolvidos. É possível discutir prioridades - por exemplo: o Brasil destina mais recursos, por aluno, ao ensino superior do que ao fundamental, o oposto do que fazem nações bem-sucedidas em formação educacional, como a Coreia do Sul -, mas está claro que a deficiência não é de caráter financeiro.

Arbache acha que o governo deveria definir o orçamento público para a educação de acordo com os recursos necessários para atingir metas educacionais, "política essa que teria que vir acompanhada do aperfeiçoamento da gestão do sistema educacional". "Num primeiro momento, será preciso elevar significativamente a parcela do PIB destinada à educação, mas, numa fase seguinte, quando as metas forem sendo alcançadas, o orçamento da educação poderá se estabilizar e até diminuir, como ocorreu décadas atrás nos tigres asiáticos, que promoveram grandes avanços na educação."

"A educação deve ser prioridade de política pública, mas a alocação de recursos para a área deve ser compatível com a realidade demográfica do país. Do contrário, podem ser criados compromissos e pressões fiscais futuras com efeitos deletérios para o crescimento econômico sustentável", insiste Arbache.

O economista observa que, embora os investimentos públicos em educação por aluno já estejam crescendo, o Brasil precisa aproveitar as condições econômicas e demográficas favoráveis deste momento para fortalecer ainda mais o orçamento dessa área nos próximos anos, com o propósito de diminuir o hiato que separa a educação pública brasileira "daquela necessária para fomentar o crescimento econômico e alavancar a competitividade internacional da nossa economia".

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.

Fonte: Valor Econômico - 04/07/2012