País agora precisa vencer obstáculos

Encerrando a série sobre a maioridade do Real, analistas apontam que, mais do que comemorar, o Brasil precisa desobstruir os caminhos que o levarão ao crescimento sustentado da economia

Entraves ao crescimento

O país avançou muito com o Real, mas, agora, precisa vencer obstáculos como a burocracia, carga tributária excessiva e infraestrutura precária

» VICENTE NUNES
» SÍLVIO RIBAS
» ROSANA HESSEL

Mais do que comemorar os avanços trazidos pelo Plano Real, que atinge a sua maioridade, o Brasil deve se dedicar à árdua tarefa de desobstruir os caminhos que impedem o crescimento sustentado da economia. É Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e um dos pais do mais longevo pacote de estabilização do país, quem diz: "Fizemos muito ao longo dos últimos 18 anos, mas há uma etapa enorme a ser cumprida". A começar pela retomada das reformas estruturais — tributária, trabalhista e da previdência Social —, vitais para estimular os investimentos produtivos que tenderão a alçar o Brasil mais rapidamente ao mundo desenvolvido. "São tarefas para o atual governo e para os seguintes", completa.

Apesar do diagnóstico preciso e da urgência do Brasil de se livrar do atraso, a paralisia é gritante. Não à toa, a economia se debate para sair do atoleiro da crise mundial, apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar no menor nível da história, 8,5% ao ano, e de todos os estímulos ao consumo. Um claro sinal de que o modelo de crescimento defendido pelo governo se esgotou. "Os problemas do país — a excessiva carga tributária, a intervenção governamental na economia, a infraestrutura deficiente e as dificuldades burocráticas de fazer negócios — decorrem de políticas econômicas que, talvez, tenham feito sentido no passado, mas hoje são disfuncionais", afirma Arida.

O resultado disso é uma fatura cada vez maior para a sociedade. "E o grande risco é de se buscar atalhos", alerta Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. Não sem motivo. Mesmo com a garantia da presidente Dilma Rousseff de que seu governo não será marcado por aventuras, seja no controle da inflação, seja na manutenção do equilíbrio fiscal, a tentação pelo populismo é enorme. "Tem se optado por medidas com grande apelo entre os consumidores, quando o ideal seria comprar briga com o corporativismo e com interesses eleitoreiros", completa Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil.

Com o relógio correndo contra e as adversidades mundiais se agigantando, é hora de partir para o ataque. Em vez de medidas paliativas, como desonerações tributárias a setores com forte lobby em Brasília, chegou a hora de discutir um corte geral de impostos para toda a economia. É verdade que o tamanho excessivo do Estado, dominado pela burocracia e pela corrupção, impede ações mais vigorosas no alívio da carga tributária, que chega a 37% do Produto Interno Bruto (PIB). "Mas o corte de impostos poderia ser acompanhando de um amplo processo de privatização, de concessões ao setor privado de portos, rodovias e aeroportos. O setor público não tem mais capacidade para fazer os investimentos de que a economia precisa para se modernizar", diz Leal.

A incapacidade do governo pode ser medida pela execução de obras de infraestrutura. Os desembolsos neste ano cresceram só 2% em relação a 2011. Pior: a maior parte da liberações se refere a restos a pagar, ou seja, a dinheiro retido em anos anteriores por razões que vão da excessiva burocracia a ações fiscalizadoras de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU). "Nada justifica uma carga tão pesada de impostos se os recursos arrecadados não resultam em uma infraestrutura melhor nem em bem-estar social", sentencia o consultor tributário Edson Lima. Tantas amarras só comprometem a competitividade do país. "O setor privado está sendo obrigado a arcar com um Estado que não cabe mais na economia", resume José Velloso, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq).

Bloqueios estruturais

Que o diga Augusto Espeschit de Almeida, presidente da Arcelor Mittal Aços Longos América do Sul, subsidiária do maior grupo siderúrgico do mundo. "O Brasil, cujo Plano Real nos alçou a um novo patamar, precisa de reformas estruturais para continuar a avançar nas conquistas econômicas e sociais ", diz. Vítor Wilher, consultor do Instituto Millenium, vai além. "A economia brasileira corre o risco de perder a credibilidade acumulada nos últimos 18 anos se não priorizar as reformas adiadas há décadas." Ele reconhece: "São mudanças que mexem no interesse de governos estaduais e da União, mas não podem ser adiadas em razão do esgotamento do modelo baseado nos estímulos ao consumo".

Também pessimista, o maior acionista do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, que preside o Grupo de Competitividade do governo, diz que o país precisa continuar vigilante para que a ineficiência não permita o retorno do dragão inflacionário. "Jovens com menos de 30 anos talvez não imaginem como é viver num país onde o dinheiro compra só metade do que se podia adquirir um mês antes", lembra.

Eduardo Moreira Pereira, diretor financeiro da Usiminas, endossa: "O maior legado do Plano Real foi trazer a estabilidade monetária, permitindo às empresas planejar a médio e longo prazos. Outros importantes benefícios, como o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e a Lei de Responsabilidade Fiscal, contribuíram para o seu sucesso. Agora, é preciso construir um quadro propício ao investimento, combinando juros baixos com carga tributária mais leve e infraestrutura eficiente", destaca. (Colaborou Vânia Cristino)

Confiança na moeda

Para o economista Pérsio Arida, um dos pais do Real, o plano, mais do que uma reforma monetária que logrou, de partida, estancar um processo abertamente inflacionário é um processo de geração de confiança no padrão monetário brasileiro. "Confiança só se ganha com o tempo, com a renovação do anseio político por assegurar que as bases de sustentação da estabilidade continuam inalteradas, independentemente de quem seja o presidente ou de quem esteja eleito para o Legislativo", afirma.

Fonte: Correio Braziliense - 08/07/2012