O ralo de R$ 1,1 trilhão
Enquanto o Fundo de Pensão dos Servidores Públicos (Funpresp) não for instalado — o que está previsto para o fim deste ano — e não começar, gradativamente, a aliviar a contabilidade federal, o governo vai ter que continuar arcando com uma conta gigantesca, durante décadas, para pagar os atuais benefícios dos aposentados e pensionistas da União, assim como as novas aposentadorias dos funcionários que ainda estão na ativa. A fatura chega a R$ 1,1 trilhão num horizonte de 30 anos, segundo cálculos feitos pelo Ministério da previdência Social.
Essa montanha de dinheiro será gasta com apenas 1,3 milhão de servidores da União, dos quais 540 mil ainda em atividade. A conta é alta porque, ao contrário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem um limite relativamente baixo para as aposentadorias e pensões — um trabalhador da iniciativa privada recebe, no máximo, R$ 3,9 mil por mês — o teto dos funcionários públicos é de R$ 26,7 mil, uma diferença enorme.
O valor médio dos benefícios também é elevado. É isso que explica por que o INSS, com 25,4 milhões de beneficiários, tem um deficit de R$ 36,5 bilhões por ano e o setor público, com bem menos gente para pagar, apresente todo ano um saldo negativo superior a R$ 81 bilhões.
Aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, o Funpresp só vai ajudar a baixar a despesa no futuro. Quando ele entrar em vigor, o governo só vai garantir a aposentadoria até o valor do teto do INSS. Quem quiser receber benefício superior terá que contribuir para o fundo durante o período em que permanecer trabalhando, com uma alíquota máxima de 8,5%. Essa regra, no entanto, só vai valer para os novos funcionários.
Gargalos
O regulamento do fundo ainda não está desenhado, mas o governo já se vê diante de enormes problemas. Um deles é o de ganhar escala, ou seja, o Funpresp terá que contar com um contingente suficientemente grande de contribuintes — e de recursos — para obter a rentabilidade necessária para garantir o pagamento de benefícios futuros. Por isso, o ideal seria que houvesse um só o fundo para os Três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas não foi isso o que aconteceu. Para que a legislação fosse aprovada, o governo cedeu nas negociações no Congresso e o texto final da lei acabou determinando que cada poder criasse a própria entidade de previdência.
O secretário adjunto de Políticas de previdência Complementar, José Edson da Cunha Júnior, afirma que isso é um gargalo. O Judiciário e o Legislativo ainda não definiram se terão mecanismos próprios ou se irão aderir à instituição que garantirá a aposentadoria dos servidores do Executivo. O Ministério Público já manifestou interesse de participar do fundo em fase de elaboração. No entanto, se os demais poderes quiserem fazer parte do Funpresp, a lei, recém-saída do forno, terá que ser modificada. Portanto, mesmo em fase de implantação — a entidade tem que sair do papel até novembro e a Superintendência Nacional de previdência Complementar (Previc) terá mais 240 dias para autorizar o regulamento — a lei pode voltar para ser remendada no Congresso.
Ciclos de vida
O ganho de escala está longe de ser o único problema do fundo de pensão dos servidores. Para assegurar o pagamento das aposentadorias e pensões, a nova entidade terá que ser também inovadora na hora de investir. As aplicações do Funpresp, segundo os técnicos, deverão ser feitas dentro de um multiportfólio, obedecendo ao sistema chamado de ciclos de vida. Por ele, os investimentos são feitos de acordo com o perfil do participante. Os mais jovens podem correr maiores riscos, uma vez que têm mais tempo para recuperar eventuais perdas. O mesmo não acontece para quem se encontra numa faixa etária mais elevada.
Segundo o conselheiro do Banco Mundial Roberto Rocha, o risco de longevidade é um fator que os gestores do fundo deverão tratar com atenção redobrada. Isso porque os novos servidores que deverão aderir ao fundo têm, em média, entre 30 e 32 anos. Para Rocha, o Funpresp deverá trabalhar com compartilhamento de risco, especialmente nos casos em que os participantes atingirem mais de 75 anos e as tábuas de longevidade encontrarem dificuldades para definir quando se extinguirá o benefício devido à morte do segurado. "O diabo está nos detalhes. Então, o importante será desenvolver um portfólio que garanta retorno", observou.
Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, os gestores do fundo deverão ter atenção especial nas tentativas de fraude. O perigo, segundo ele, está nas aposentadorias que serão concedidas com menos de 35 anos de contribuição. Como o governo não conta com um planejamento que indique as carreiras e o gênero dos servidores que serão contratados no futuro, o conjunto de risco poderá crescer além do controle, observou. "Há muita gente inteligente já pensando em formas de burlar as regras. A adesão será positiva, mas não podemos esquecer de incluir no estatuto formas de conter iniciativas de comportamento oportunista", alertou.
Títulos menos rentáveis
O novo fundo de pensão dos servidores públicos já nasce com um desafio grande pela frente, que também atingirá as entidades já existentes: como fazer para garantir a meta atuarial de 6% ao ano mais INPC num cenário de taxa de juros básica declinante. A taxa Selic saiu de 12,5% no ano passado e já está em 8%. E os economistas apostam em 7,5% até o fim do ano, o que vai significar rendimentos menos vigorosos dos papéis, geralmente títulos públicos do governo federal. Para o subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, a redução das taxas de juros vai exigir dos fundos capacidade de gestão e planejamento, porque o comportamento dessas instituições e da economia depende da rentabilidade dos investimentos e da garantia de que os benefícios serão pagos.
Fonte: Correio Braziliense - 16/07/2012