Jogando no ataque
Brasil S/A :: Antônio Machado
Desalentados com a frustração das medidas para agitar a economia e ansiosos por indicadores que sugiram a reversão do baixo-astral que contaminou o empresariado, os formuladores da política econômica, à falta de muito mais alternativas tópicas, estão debruçados sobre um conjunto de providências que produzirão efeito em 2013, mas, se bem amarradas, poderão mexer com o ambiente dos negócios já este ano.
O prato principal, antecipado duas semanas atrás pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, é uma lista concessões de operações de logística, que deverá incluir praticamente todos os portos sob a administração federal, várias rodovias, mais alguns aeroportos (que farão companhia aos de Guarulhos, de Campinas e de Brasília, já licitados ao capital privado) e, havendo tempo, a renovação dos contratos de geração e distribuição de energia elétrica. A vontade é que os editais de licitação não sofram objeções nem do Tribunal de Contas da União (TCU) nem demandem questionamentos não previstos, como tem sido comum, especialmente, na área ambiental.
O pacote de financiamento já está garantido pelo BNDES, que também dispõe do compromisso de investidores externos, sobretudo fundos soberanos e de pensão, de participar dos projetos. Não há falta de funding para financiar as concessões. Se algo der errado, será pela inadequação dos grupos que vierem a se apresentar aos leilões. Na privatização dos aeroportos, por exemplo, os grupos vencedores, segundo críticos no governo, deveriam ter experiência na gestão de grandes operações. O quesito era eliminatório. Foi abrandado pelo receio de que dificultasse a formação dos consórcios.
Para evitar contratempos desse tipo, o certo é a presidente Dilma Rousseff instruir as áreas afins ao processo licitatório ou o BNDES a sondar os grupos interessados e indicar as diretrizes. Ao capital importa a taxa de retorno considerada nos editais. Se baixa, há o risco de mais tarde o governo ser forçado a rever os contratos com aditivos ou tolerar o descumprimento de investimentos. Já se viu esse filme com as rodovias licitadas no governo Lula e, na época, apresentadas como superiores às privatizações feitas em São Paulo pelos governos do PSBD, estas, visando o maior preço nos leilões, aquelas, a menor tarifa de pedágio. No fim, teve-se preço caro em ambos os casos, com a conta fechando no investimento.
Choques na área elétrica
A questão da taxa interna de retorno, ou TIR, conforme o jargão, é também a peça de resistência das concessões do setor elétrico, mais ainda porque a intenção de Dilma é associá-las ao corte das tarifas de energia, consideradas pelos empresários como um dos fatores da baixa competitividade da indústria. Quase 50% da tarifa é tributo, entre impostos e taxas, chamadas de alíneas.
As taxas são mais flexíveis. Algumas nem se justificam, como a que permite equalizar a tarifa onde a energia é de termelétricas e, portanto, de custo maior que a geração tradicional, um subsídio que sempre foi mais apropriado para o orçamento fiscal. O problema é abrir mão de receita tributária quando a arrecadação está cedendo e há incertezas sobre a evolução das despesas neste ano e no próximo.
Realismo com servidores
A parte fiscal do pacote de licitações está a cargo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, destrinchar. O volume de compromissos a ser coberto pelo orçamento fiscal não é pequeno, o que põe em causa a meta de superavit primário (ou seja, antes da incidência dos juros da dívida pública) de 3,1% do PIB. E explica a resistência de Dilma a ceder ao reclamo do funcionalismo federal por aumento de salário.
Entre atendê-los, e várias categorias estão em greve, e preservar empregos no setor privado, ameaçados se a economia não voltar a se movimentar — agora com investimento público, devido à relutância do empresariado e ao esgotamento temporário do filão do consumo movido a dívida —, ela optou por resistir ao desemprego. Fez por bom senso. O grosso do funcionalismo é indemissível e teve aumentos salariais entre 2009 e 2010, estendendo-se em alguns casos até este ano.
Para elevar a confiança
Se superar a onda de greve no governo e conseguir impressionar com um programa substancioso de concessões, o governo poderá dar alento à economia, coincidindo tais ações com a repercussão das medidas já acionadas para turbinar o crescimento. Melhorar a confiança passa a ser a prioridade. Na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a disposição caiu ao menor nível desde abril de 2009. A confiança de todos os 35 setores pesquisados ficou abaixo de 50 pontos, nível que baliza o ânimo empresarial. O governo tem margem para ações ousadas, como o Banco Central derrubar a Selic para 6%. Não o faz talvez para guardar alguma reserva contra eventos mais graves na economia global, o que não pode ainda ser descartado.
Masoquismo orçamentário
Ao mesmo tempo em que procura elevar o astral, mostrando-se firme na condução da economia, o governo se expõe com metas irrealistas, como as premissas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a base do orçamento fiscal para 2013, que o Congresso acaba de aprovar.
Ela mantém a projeção de crescimento do PIB de 4,5% em 2012 e de 5,5% em 2013, acumulando expansão no biênio de 10,2%, como observa o economista Fernando Montero. Se o PIB este ano crescer 2% (e pode ser menos) e chegar a 4% em 2013, a expansão acumulada será de 6,1% — 4,1 pontos percentuais menos que as estimativas contempladas pela LDO para 2013. O desvio é monumental. Equivale a um ano de aumento da arrecadação tributária, segundo Montero. Implica de antemão que a despesa projetada com tais diretrizes será cortada, com todos os conflitos inerentes com os partidos da base aliada. É masoquismo, já que um orçamento realista pouparia o governo de desgastes, além de aumentar a credibilidade.
Fonte: Correio Braziliense - 19/07/2012