Porque ter fundos de pensão
Suely Caldas
JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO
No Brasil a cultura previdenciária é quase inexistente. Não há educação nas escolas ou campanhas publicitárias estimulando os jovens a poupar desde cedo para ter uma aposentadoria digna. Se nossa taxa de poupança é baixíssima e não ajuda a financiar o desenvolvimento do País, muito é devido a esse fenômeno. Até a faixa de 40 anos as pessoas vivem o presente e só acordam para o futuro quando se aproximam dos 50. Aí o tempo para poupar é curto, um plano de aposentadoria sai caríssimo, não cabe no bolso, e o cidadão desiste.
Essa realidade é refletida em números: o déficit previdenciário do País atinge a extraordinária cifra de R$ 120,5 bilhões (próximo dos R$ 130 bilhões gastos com saúde e educação juntos), aí incluídos os rombos de R$ 54 bilhões do funcionalismo público federal, R$ 30 bilhões dos Estados e municípios e R$ 36,5 bilhões do INSS. E a cobertura desses rombos é feita com enorme injustiça social, porque é suprida com dinheiro dos impostos pagos por ricos e pobres. E no Brasil, proporcionalmente à respectiva renda, pobres pagam mais impostos do que ricos. O drama previdenciário é vivido no mundo inteiro, mas na Europa e EUA ele é amenizado pelos fundos de pensão que, ao complementar o valor da aposentadoria pública, proporcionam ao aposentado uma renda próxima de seu último salário. No Brasil, só 3,2 milhões de trabalhadores - apenas 3% da população economicamente ativa - têm fundos de pensão patrocinados por 202 empresas públicas e 2.128 privadas. Todos os seus ativos somados chegam a R$ 620 bilhões, equivalentes a 15% do PIB. Na Europa, países como Holanda, Inglaterra ou Suíça têm fundos com ativos que ultrapassam em muito o PIB inteiro do país.
Enquanto lá, há mais de 40 anos, empregados e empregadores assimilaram a ideia de que esse tipo de poupança é benéfico para todos e multiplicaram a criação desses fundos, por aqui os sindicatos nem sequer cogitam incluí-los em suas campanhas salariais e nas convenções coletivas de trabalho, tal o desconhecimento e desinteresse sobre o assunto. Os fundos que existem - os mais antigos são de estatais e datam da década de 70 - foram criados por decisão voluntária das empresas e quem deles passou a usufruir viu sua aposentadoria engordar muito além do que paga o INSS. Um aposentado do Banco do Brasil ou da Petrobrás, com salário de R$ 10 mil antes de se aposentar, recebe da Previ e do Petros (fundos do BB e da Petrobrás) cerca de R$ 6 mil e mais R$ 3.912,00 do INSS. Para isso, o funcionário e a empresa contribuem mensalmente para o fundo com quantias iguais. Ao final de 30 anos, o patrimônio acumulado é suficiente para suprir uma boa renda na velhice.
Mas as vantagens da previdência complementar vão além da aposentadoria. A massa de dinheiro acumulado por fundos - a Previ sozinha tem R$ 162 bilhões em ativos - pode ser aplicada em projetos de infraestrutura e desenvolvimento do País. No governo FHC os fundos de estatais investiram fortemente na compra de empresas públicas e hoje colhem frutos do investimento feito. A Previ, por exemplo, é a segunda maior acionista individual da Vale e engorda seu patrimônio com os lucros da mineradora. Com Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa Econômica) a Previ é acionista de muitas outras ex-estatais hoje lucrativas. Pela característica de acumular patrimônio ao longo do tempo para começar a pagar aposentadorias só 30 anos depois, os fundos de pensão têm vocação natural para investimentos de retorno no longo prazo. Em projetos de infraestrutura, por exemplo, de que o País tanto precisa e não toca por falta de dinheiro.
Recentemente a presidente promulgou a lei que cria o Funpresp - o fundo de previdência dos servidores públicos federais que, no futuro, terá massa de participantes com poder para acumular patrimônio comparável aos maiores fundos do mundo. E isso sem estímulo, até ao contrário, com a reprovação das lideranças sindicais, que só conseguem enxergar e brigar para manter seus próprios privilégios, em geral bancados por quem não tem nenhum.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 22/07/2012