Vamos descer do salto?

Antes entusiasmados, os investidores externos agora estão desconfiados do Brasil. Para retomar o prestígio, o país precisa cair na real e fazer as reformas

José Fucs

Nos últimos anos, em meio à crise global, o Brasil se transformou numa espécie de Eldorado para os investidores estrangeiros. A imagem do patinho feio, que marcara o país durante boa parte do século XX, alimentada por calotes na dívida externa, congelamento da poupança e que tais, fora, finalmente, deixada para trás. Com a inflação sob controle, o crescimento robusto da economia e a preservação das regras do jogo, os dólares dos investidores internacionais começaram a desembarcar aqui em volumes, para usar a célebre frase de efeito, nunca vistos antes na história deste país. Lá fora, nos grandes encontros de empresários e financistas, qualquer menção ao Brasil provocava suspiros de admiração na plateia. Na mídia internacional, o país passou a ser exaltado como uma potência emergente, pronta para concretizar suas potencialidades. A revista britânica The Economist publicou, em novembro de 2009, uma reportagem de capa sobre o Brasil, com uma ilustração em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete decolando em direção ao espaço e deixando um rastro de fumaça no céu.

Agora, o cenário mudou. A "bolha" de entusiasmo com o Brasil no exterior parece ter murchado. Em vez do otimismo quase unânime existente até pouco tempo atrás, as críticas ao Brasil voltaram a pipocar. As dúvidas sobre a real capacidade de entrarmos num ciclo de desenvolvimento sustentável se multiplicam. Na mesma edição com a capa do Cristo Redentor, um editorial da Economist alertara sobre os riscos que a soberba poderia representar para o país. Nesse novo cenário, o Brasil pode ser obrigado a descer do salto. "O carnaval acabou", disse o jornalista americano Bill Hinchberger, ex-correspondente do Financial Times e da revista Business Week no Brasil, em artigo publicado recentemente no site da revista Foreign Policy, dedicada à análise das relações internacionais. "Antes havia uma Brasilfobia - achava-se que o Brasil não era um porto seguro para os investimentos. Depois, houve uma Brasilmania. Agora, estamos vendo uma Brasilapatia" afirma o economista e cientista social brasileiro Marcos Troyjo, professor adjunto da Escola de Assuntos Públicos da Universidade Colúmbia em Nova York.

Essa mudança de percepção em relação ao Brasil pode ser medida pela queda no fluxo de investimento externo para o país. Na Bolsa de Valores, já saíram US$ 5,5 bilhões líquidos dos investidores estrangeiros desde fevereiro, embora o saldo acumulado no ano ainda esteja positivo, graças ao ingresso recorde ocorrido em janeiro. No caso dos investimentos na produção, o fluxo de capital externo continua amplamente positivo e vem sendo a grande fonte de recursos do governo para cobrir o deficit nas contas externas do país. Neste ano, porém, o volume de investimentos diretos dos estrangeiros deverá cair para US$ 50 bilhões, 25% a menos que em 2011, conforme as projeções da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e do Banco Central brasileiro. Isso num período em que, segundo a Unctad, o fluxo de investimentos estrangeiros no mundo deverá crescer 5% em relação ao ano passado (leia os gráficos na página seguinte). O Brasil perdeu a quarta posição entre os países preferidos pelos investidores internacionais para a Indonésia, de acordo com uma pesquisa da Unctad com 600 empresários e executivos de grandes empresas mundiais.

Alguns analistas estimam que os investimentos externos poderão atingir US$ 58 bilhões em 2012. Mesmo que essa previsão se confirme, o resultado final será 13% abaixo do obtido em 2011 - um sinal preocupante. Como o Brasil tem a mais baixa taxa de poupança interna dos grandes países emergentes, calculada em 15% do Produto Interno Bruto (PIB), e como os gastos excessivos do governo impedem o aporte de mais recursos públicos para novos projetos, o país tem uma forte dependência dos investimentos estrangeiros para promover o desenvolvimento em especial na área de infraestrutura. Uma queda no fluxo de dólares, portanto, nos prejudica muito. "O Brasil começa a perder um pouco o charme como destino dos investimentos estrangeiros", afirma Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), responsável pela pesquisa da Unctad no Brasil.

Em boa medida, a desilusão dos estrangeiros com o país se deve à queda dramática da atividade econômica. Depois de atingir 7,5% em 2010, o crescimento do PIB foi de apenas 2,7% em 2011 e deverá ser ainda menor neste ano - 2,5%, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), e 1,9%, segundo as previsões do mercado financeiro compiladas pelo Banco Central. "Há uma percepção de que o rápido crescimento que se esperava do Brasil não é mais uma certeza", afirmou a ÉPOCA Walter Russell Mead, membro do Council on Foreign Relations (Conselho de Relações Exteriores), influente organização americana voltada para temas de política internacional. "O Brasil precisa recuperar uma taxa de crescimento mais forte rapidamente", diz Jim O"Neill, presidente da empresa de recursos do banco de investimento americano Goldman Sachs e criador da sigla Bric, que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, os principais países emergentes do planeta. "Se isso não acontecer, o poder do B no termo Bric pode começar a ser questionado."

A valorização recente do real e as incertezas dos investidores em relação à política cambial também contribuem para esse cenário. Cada vez que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declara que o dólar deve ser de "x" ou de "y", como se as cotações dependessem de sua canetada, a insegurança dos investidores estrangeiros aumenta. Ninguém lá fora se sente à vontade para investir na Bolsa brasileira se não acreditar que a política cambial é estável e transparente. Se houver uma probabilidade elevada de os ganhos obtidos na Bolsa serem "comidos" pela desvalorização do real antes de o dinheiro ser repatriado, o investidor externo ficará na defensiva.

A desaceleração da economia e a instabilidade do câmbio, porém, não explicam tudo. Desde o final da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma série de medidas adotadas pelo governo vem afetando negativamente a imagem do Brasil. Enquanto Lula esteve no governo, seu carisma ajudava a atenuar as críticas externas. Agora, isso acabou. O crescimento elevado do Brasil também funcionava como um véu que encobria os problemas estruturais. Com as taxas de crescimento mais esquálidas, percebe-se que as reformas tributária, trabalhista e da PREVIDÊNCIA, consideradas essenciais para tornar o ambiente de negócios mais atraente aos estrangeiros e estimular o empreendedorismo local, estão paradas. "Uma avaliação realista sugere que o Brasil pode desapontar em muitos aspectos nos próximos anos, a não ser que reformas estruturais sejam implementadas", afirma o economista americano Nouriel Roubini.

Em vez de cortejar o capital externo para turbinar o crescimento, o governo tem adotado um discurso nacionalista e uma série de medidas protecionistas, que comprometem a livre concorrência e pegam mal no exterior, como o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os carros importados. "Se é para desenvolver a indústria automobilística no Brasil, há uma série de medidas possíveis para isso - melhoria da produtividade, qualificação, investimentos em infraestrutura", diz Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). "É claro que, hoje, as autoridades brasileiras resistem menos a pressões protecionistas que no passado. Isso é um fato."

O governo passou, além disso, a alterar as regras do jogo da noite para o dia. Sob a alegação de que o país era alvo de um "tsunami monetário", que valorizaria o real, o governo promoveu uma elevação da tributação sobre aplicações financeiras de estrangeiros no país e restringiu a realização de operações cambiais pelas empresas brasileiras. A exigência de 60% de conteúdo nacional nas compras da Petrobras para exploração do pré-sal prejudicou a imagem brasileira, assim como as intervenções do governo no setor financeiro e nas empresas de telefonia. A política de concessão de benefícios seletivos para empresas e setores específicos, segundo critérios pouco transparentes para os cidadãos, e a interferência na gestão de empresas estatais com ações cotadas na Bolsa, como a Petrobras e o Banco do Brasil, em prejuízo dos acionistas minoritários, também causaram impacto negativo. A mesma percepção passou a vigorar em relação à Vale. Embora privada, ela passou a funcionar como uma empresa paraestatal, devido à influência do governo em sua gestão. As ações dessas empresas têm puxado a queda do Índice Bovespa, que reflete o desempenho dos papéis mais negociados nos pregões. O desempenho dessas empresas na Bolsa tem sido pior que o de empresas privadas de primeira linha, como Ambev ou BRFoods.

Uma avaliação internacional mais crítica ao Brasil pode ajudar a desanuviar o ambiente de ufanismo que cegava os formuladores das políticas de governo diante de nossas deficiências estruturais. Mas, assim como o Brasil não havia se transformado subitamente num Éden, também seria errado deixar-se levar apenas pelo negativismo num momento em que a economia global está desacelerando e a maré está baixando para todos. Embora a política de estímulo ao crescimento com base no consumo esteja se esgotando, o Brasil ainda conta com a força de seu mercado interno e a emergência de uma nova classe média. Se o país descer do salto alto e não deixar o excesso de confiança dar o tom da política econômica, o Brasil ainda tem vários trunfos para voltar a ser paparicado pelos investidores internacionais.

Com Rodrigo Turrer e Juliano Machado

Fonte: Época - 28/07/2012