Justiça dá ganho a aposentados do Aerus
CLAUDIA ROLLI
DE SÃO PAULO
NÁDIA GUERLENDA
DE BRASÍLIA
A Justiça Federal de Brasília decidiu que a União tem de indenizar o pagamento de contribuições não pagas a cerca de 10 mil aposentados e pensionistas que participam do Aerus, fundo de pensão de companhias aéreas como Varig e Transbrasil.
Eles terão de ser indenizados pelas contribuições que as empresas deixaram de recolher ao fundo; pelas descontadas dos empregados e não repassadas e pelas referentes à chamada terceira fonte de arrecadação. Essa fonte garantiu o repasse de 3% das passagens domésticas vendidas entre 1982, quando nasceu o Aerus, até 1991, quando foi extinta.
A sentença foi dada pelo juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira, da 14ª Vara Federal de Brasília, e atende parte dos pedidos feitos em ação civil pública movida desde 2003 pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e por outras duas entidades.
A AGU (Advocacia-Geral da União) deve recorrer.
VALOR
O valor das indenizações será calculado por peritos no momento da execução da sentença.
"Cabia à União fiscalizar as atividades das entidades fechadas e ter atuação proativa no sentido de que tais atividades se pusessem em ordem a alcançar os objetivos da entidade de PREVIDÊNCIA privada", afirma o juiz.
"A União se omitiu no seu poder e no dever de fiscalizar o fundo", afirma Graziella Baggio, diretora do sindicato.
"São anos de ilegalidades e irregularidades. Somente entre 1987 e 2003 foram quase 30 repactuações de dívidas, com aval da União, sem que pagassem o que deviam ao fundo. Foram 21 com a Varig e 8 com a Transbrasil."
As reduções nos planos dos aposentados e pensionistas chegam a 92%. Em média, cada um contribuiu com 10% do salário nominal por mês.
O sindicato vai recorrer dos pontos que foram julgados improcedentes na sentença.
"A ação pede que sejam avaliadas desde apropriações indébitas feitas por Varig e Transbrasil, ao recolherem dos participantes e não repassarem ao Aerus, até a saída de companhias do fundo sem pagar o que deviam", diz. "Cada vez que o fundo entrava em colapso, não pagavam o que deviam e recorriam à SPC (antiga Secretaria de PREVIDÊNCIA Complementar) para renegociar as dívidas."
EXTINÇÃO
Um dos principais pontos questionados na ação civil pública é a extinção da terceira fonte de arrecadação. Deveria ocorrer por 30 anos, a partir da criação do Aerus, mas foi extinta por interferência do DAC (Departamento de Aviação Civil) em 1991.
"Apesar de ser um dos pilares do Aerus, a fonte foi extinta sem que se calculasse qual seria o impacto", diz a advogada Carolina Maia, que cuida da ação do SNA.
Em 2006, o sindicato obteve no Tribunal Regional Federal da 1ª Região uma antecipação de tutela (liminar) garantindo que a União assumisse a folha de pagamento dos benefícios do Aerus.
A União recorreu. Mas o STF entendeu que a antecipação de tutela deveria ser cumprida, caso a Justiça em primeiro grau reconhecesse a responsabilidade da União.
"Foi o que ocorreu agora. Assim a União, além de pagar as indenizações, deve assumir, imediatamente, a folha do Aerus, enquanto tramitar o processo. Quando não couber mais recurso e o processo for encerrado, deve-se apurar os valores de indenização para os participantes", diz Lauro Thaddeu Gomes, também advogado da ação.
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Ex-engenheiro de voo vivia na garagem de prédio
DE SÃO PAULO
Depois de contribuírem por décadas para o fundo de pensão Aerus, com valores que chegaram a até 30% de seus salários, aposentados da Varig e da Transbrasil se mantêm com a ajuda de filhos para conseguir pagar contas.
São pessoas, em sua maioria, com mais de 60 anos, que necessitam com urgência de recursos para pagar aluguel, remédios e plano de saúde.
Engenheiro de voo por 35 anos na Varig, Lourival Honorato, 62, encontrou o também engenheiro de voo e amigo Tarcisio dos Santos, 76, vivendo na garagem de um prédio em São Paulo, onde funcionava uma oficina em que trabalhou ao se aposentar.
"Ele trabalhou por 40 anos na Varig e foi encontrado mendigando e doente no Congo, onde foi prestar serviço na África e vivia com a verba do Aerus. No passado, chegou a receber o equivalente a R$ 6.000. Hoje recebe R$ 900. Ainda sou um privilegiado perto do meu amigo", diz Honorato, que voltou ao mercado de trabalho.
TRAIÇÃO
"Traído. É como me sinto após 32 anos de trabalho", diz Carlos Henke, 67, que passou 14 anos no setor de manutenção da Varig e outros 18 no administrativo da Fundação Ruben Berta -que controlava a companhia.
Recebe por mês R$ 480 do fundo -o que equivale a 8% do valor total que deveria.
"Com isso, consigo pagar somente parte do meu plano de saúde e do da minha mulher. Se não tivesse complemento do INSS, não comeria."
Ary Luiz Guidolin, 66, que integra a comissão de aposentados da Varig no Rio Grande do Sul, ainda não perdeu a esperança de receber tudo que investiu no Aerus, ao contribuir por anos.
"É difícil saber que centenas de amigos, que esperaram pelo mesmo que eu, já morreram e que tantos outros que investiram para ter uma velhice mais digna só sobrevivem porque recebem cesta básica de familiares."
Desde 2006, o SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas) já registrou a morte de 650 pessoas dos 10 mil favorecidos na ação civil pública movida pela entidade.
"A situação dessas pessoas é dramática, e a decisão da Justiça Federal de indenizar os trabalhadores e cumprir a decisão do STF de assumir a folha de pagamento vem em boa hora", diz Graziella Baggio, diretora do sindicato.
Dos cerca de 10 mil aposentados e pensionistas, 3.500 são aeronautas, e os demais, aeroviários -trabalham na parte terrestre.
(CR)
Fonte: Folha de S.Paulo - 30/07/2012