Consumidor "irracional" pode arruinar a economia, diz Nobel
RAUL JUSTE LORES
DE NOVA YORK
O psicólogo israelense-americano Daniel Kahneman, 78, ganhou o Nobel de Economia em 2002 por décadas de trabalho em uma matéria na qual é pioneiro: a economia comportamental.
No ano passado, ele lançou "Thinking, Fast and Slow", best-seller instantâneo, que chega às livrarias brasileiras neste fim de semana como "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar" (editora Objetiva).
Nele, o Nobel explica diversos conceitos de autoengano e de confiança excessiva e defende um "paternalismo libertário", em que empresas e governos deveriam cutucar, alertar cidadãos e consumidores a tomar as melhores decisões para si.
No livro, o professor de Princeton também descreve o sistema 1 do pensamento (o rápido), intuitivo e automático, que decide se você gosta de uma pessoa logo após conhecê-la, com associações instantâneas, e o sistema 2 (devagar), que representa a razão, o autocontrole e a inteligência.
A seguir, trechos da entrevista concedida por Hahneman à Folha.
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Folha - O sr. fez uma pesquisa com vários diretores financeiros [CFOs] de grandes empresas, em que eles deveriam prever o retorno das ações no índice da Standard & Poor"s no ano seguinte. Em 67% dos casos, eles erraram. A intuição dos experts não conta?
Daniel Kahneman - Fazer previsões em ambientes imprevisíveis é impossível. Ou, como eu chamo, uma ilusão.
Intuitivamente, é claro que gostamos de investir com "especialistas", mesmo que as estatísticas comprovem que um programa de computador tenha o mesmo resultado.
Se o mundo das finanças fosse previsível, todos tirariam as mesmas vantagens e os riscos e as recompensas desapareceriam.
Essa confiança excessiva e o sistema 2 preguiçoso ajudaram a ampliar a crise hipotecária e financeira nos Estados Unidos?
Todos queriam tirar vantagem do crédito, mas sem ler as letras miúdas. Sei que o governo do presidente Barack Obama anda estudando como mudar as regras para que os contratos sejam mais compreensíveis, de leitura mais fácil para todos.
Os gastos com cartões de crédito são sempre padronizados e dificultam muito a comparação entre empresas.
Sempre discuti a necessidade de proteger as pessoas de suas próprias escolhas.
Quando pessoas desinformadas perdem seu dinheiro, elas podem arruinar a economia mundial.
Então, decisões irracionais têm efeitos muito maiores quando combinadas com a racionalidade de agentes corruptos dentro do sistema e a regulação e a supervisão um tanto ausentes no sistema financeiro.
No Brasil, muitas pessoas com inédito acesso a crédito já estão se endividando mais do que podem. Como "cutucá-las"?
As pessoas se endividam mais quando pagam suas compras com cartão de crédito do que quando pagam com dinheiro. Com as cédulas, tudo é mais racional, palpável.
Muitos consumidores norte-americanos não calculam os juros que estão pagando e que vão pagar no futuro. Não sabem o total que vão pagar, e imagino que aconteça o mesmo no Brasil. As empresas gostam de esconder em letras miudinhas essas informações.
As autoridades brasileiras deveriam, além de usar regras contra o empréstimo predatório, exigir contratos e contas de cartões de crédito mais claros.
Nos Estados Unidos, até os democratas suspeitam de qualquer interferência do governo. Como as pessoas encaram esses "cutucões"?
As pessoas mantêm sua liberdade. Quem quiser cometer erros vai poder cometê-los, mas será permitido que eles consigam fazer a decisão mais correta para seus interesses.
Republicanos e democratas aprovaram programas parecidos para facilitar para aqueles que aceitam descontos diretos no salário para formar um plano de PENSÃO.
Em vez de ter de assinar e optar por um plano de poupança na folha de pagamento, as pessoas seriam inscritas automaticamente na dedução, tendo de assinar ou optar para sair dele se assim quisessem.
Algum governo já transformou essas descobertas em política pública?
O Reino Unido foi um passo adiante. O governo do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que é conservador, criou uma "Unidade de Insights [sacadas] Comportamentais" em Downing Street [residência do primeiro-ministro]. Já falei algumas vezes lá e dei minhas ideias.
Uma coisa que eles já fizeram é informar aos sonegadores e aos contribuintes como um todo qual a porcentagem de pessoas naquela cidade ou naquela região que está em dia com o pagamento de seus impostos.
É um "cutucão" que trabalha com a psicologia social. "Se todo mundo está pagando, também preciso pagar." Isso mantém a liberdade [de escolha], mas atua na maneira como você vê os seus pares. É bom saber que os outros estão observando você.
Fonte: Folha de S.Paulo - 02/08/2012