A inflação soluçou
Brasil S/A :: Antonio Machado
Depois de desafiar a balança por cinco meses seguidos, a inflação oficial medida pelo IPCA voltou a engordar em julho e a superar a marca de 5% de crescimento em 12 meses. O índice cresceu 0,43% no mês, vindo de aumentos mensais de 0,36% em maio e 0,08% em junho, o que acelerou o acumulado em 12 meses até julho para 5,20%.
Não é para preocupar, ainda que o IPCA seja o parâmetro da taxa de juro básica, modulada pelo Banco Central nas reuniões do Comitê de Política Monetária, o Copom. O próximo será dia 29. E dia 31 o IBGE divulga o resultado no 2º trimestre do Produto Interno Bruto (PIB). Prevê-se aumento trimestral em torno de 0,5%, pouco mais que a taxa de 0,2% no 1º trimestre, mas ainda um desempenho anêmico.
A se fiar nos indicadores de produção, de consumo, de crédito e da economia externa, que está em franca deterioração, o BC dilatará o ciclo de corte da Selic, provavelmente dos atuais 8%/ano para 7,5%. A economia segue fraca, com a sua recuperação contida pelo crédito mais seletivo e pela senilidade da indústria, embora haja esboços de retomada conjuntural lenta de sua produção física, acompanhada do viés antigo de degradação estrutural. Entre a preocupação com a dinâmica do crescimento e o risco inflacionário, a situação do PIB inspira maiores cuidados. Já com a inflação é a história de sempre.
O rebote da inflação em julho tem causas bem definidas, resultando da pressão de dois segmentos da cesta de preços do IPCA, alimentos e despesas pessoais, ambos com aumento de 0,91% em relação a junho, e, sobretudo, da menor influência da deflação do item transportes, cuja retração encolheu de um mês para o outro de 1,18% para 0,03%.
No segmento de transportes, o principal motivador foi o preço dos automóveis já refletindo o menor impacto da redução do IPI, que, se não for prorrogado outra vez, vale até o dia 31. Tanto carros novos quanto usados apresentaram resultados menos favoráveis em julho, na pesquisa do Bradesco. O preço do carro zero recuou 5,48% em junho e aumentou 0,01% no mês passado. No caso dos usados, a retração caiu de 4,12% para 0,91% em julho. Nessa toada, o incentivo já virou pó.
As poças da indexação
A inflação é como o movimento das marés: nunca para. A diferença é que as marés vão e vem, enquanto a inflação, no Brasil, e só aqui, quando enche, custa para esvaziar. Formam-se poças, lagos, mangues, alguns nunca secam. O fenômeno se deve à preservação da indexação, que deveria estar extinta desde a reforma monetária de 1994, quando surgiu o real, para um número considerável de contratos e setores — alugueis e prestações de dívida num caso, aplicações financeiras e reajustes salariais no outro. Até impostos estão indexados.
É esse absurdo, jabuticaba da engenharia econômica nacional, como se diz, além de demonstração de fraqueza institucional de partes da macroeconomia, o que torna a inflação um número crítico a observar, além da gestão dos gastos públicos — ambos contribuindo para adubar as raízes da frondosa árvore dos altos juros no país.
Indulgência em termos
Se o PIB tende a outro ano de baixo crescimento, em torno de 2% de expansão da economia, contra 2,7% em 2011, é claramente aberrante a inflação sambar entre o centro da meta de variação anual (4,5%) e o seu teto (6,5%), ambas definidas pelo governo ao BC, sendo os dois limites os maiores entre os países que aplicam o mesmo sistema.
Não é válido dizer que a sociedade é indulgente com a inflação, o que implicaria dizer que desconhece a perda do poder aquisitivo de sua renda, seja por não senti-la no bolso ou por apatia. A verdade é que a habitualidade dos reajustes de salários, as transferências orçamentárias indexadas e os juros sobre a parcela da renda poupada compensam boa parte do poder aquisitivo corroído pela inflação.
Barreira de problemas
Se for para valer (e deve ser) a queda dos juros, no entanto, não haverá garantia de retorno real para as poupanças, sobretudo as dos fundos de PENSÃO e das cadernetas. Dificilmente a arquitetura desse sistema ficará de pé com a inflação girando a no mínimo 4,5% ao ano ou 20% a cada quatro anos. É insustentável. Ou cai a indexação para tudo ou cai a meta central de inflação. Ou será falaciosa, no médio prazo, a aposta de redução da Selic real para o nível de 2% a 3%.
Não significa que seja impossível. A paciência bovina da sociedade já assimilou, por exemplo, a carga tributária recorde (considerados os países com renda per capita assemelhada à nossa). As indústrias também assistiram passivamente à perda de competitividade, que vem de longe. O governo Dilma Rousseff não está parado e se mostra cada vez mais reformista. O problema é que são muitos os problemas.
Respostas defensivas
Com a economia em desequilíbrio, a solução de alguns problemas vem na frente da de outros. Essa escolha é uma decisão política, como a desvalorização do real, tomada para proteger o mercado da indústria baseada no país, mas não ainda a sua competitividade. Quando houver tal resultado, o será à custa da renda, se o BC barrar os repasses.
As medidas acionadas têm sido mais assim, defensivas, como a troca da base de incidência da contribuição patronal ao INSS da folha de salários para o faturamento. A queda de custo para as empresas não está ainda bem dimensionada. Ela existe, e é pequena. Mas se o PIB crescer forte, portanto, as vendas, o resultado poderá ser outro. O certo é que essa troca onerou de cara a importação, estando aí o benefício mais tangível por ora. Sem reformas de fundo, é o que dá para fazer: remendos. E aos poucos demolir os vetos políticos.
Fonte: Correio Braziliense - 09/08/2012