O alto gasto do Brasil com pensões
Fabio Giambiagi
Jorge Luis Borges dizia que "a verdade não passa de uma sucessão de versões do que se julga que a verdade seja". Reza a sabedoria política que no Brasil seria suicida "mexer com as pensionistas", o que conduziria ao fracasso quaisquer tentativas de mexer com as pensões. Que tal, porém, analisar o que a "sucessão de versões" de fato seja? Na série de artigos que estou escrevendo mensalmente para O GLOBO sobre temas previdenciários, já abordei a necessidade de reformar o sistema, a política do salário mínimo, a adoção de regras mais duras para as futuras gerações, a regra de transição que deveria ser adotada ao mudar o sistema, a idade de aposentadoria, a diferenciação das mulheres e o número de anos de contribuição de quem se aposenta por idade. Chegou o momento de tratar das pensões.
Por que isto é importante? Pela combinação de duas evidências. Primeiro, quando se comparam os dados do Brasil com os do resto do mundo, o peso elevado dos gastos com PREVIDÊNCIA do país chama a atenção, pelo fato de o país gastar com essa rubrica tanto como países com uma proporção muito maior de idosos do que a nossa. Segundo, a principal diferença entre o que o Brasil e os demais países gastam reside no gasto com pensões.
Cabe um esclarecimento inicial: ninguém está pensando em mudar as regras para quem já recebe o benefício da pensão. As pensões que estão sendo pagas são um direito adquirido de quem as recebe e o reconhecimento delas é parte do contrato social. O que está em discussão é que regras irão valer para quem vier a receber a pensão no futuro, em função do falecimento do beneficiário titular.
Todos os estudos sobre o tema indicam que o Brasil tem o sistema de pensões mais generoso do mundo. Não há paralelo de outro país que, simultaneamente, pague 100 % do benefício original, não exija carência mínima de convivência entre os cônjuges para o benefício ser concedido, estenda este indefinidamente até o falecimento do(a) pensionista e não restrinja a acumulação em caso de existência de um segundo benefício. O sistema brasileiro é tão generoso que, no limite, pode acontecer de um senhor de 80 anos casar com uma moça de 20, morrer um mês depois e a "coitada da viúva", sem ter feito um único pagamento para o sistema, herdar a pensão integral do marido por mais 60 ou 70 anos.
A rigor, porém, o problema principal, no que se refere ao valor da despesa, é o fato de a pensão ser igual ao benefício original. A pergunta que cabe fazer é: isto se justifica? Tenho defendido que a questão deveria ser revista. Vejamos por que. Pensemos no caso padrão de um casal de idosos que mora sob o mesmo teto sem os filhos, já crescidos.
Quando um dos membros do casal falece, algumas despesas dessa unidade familiar se conservam aproximadamente no mesmo valor (como o aluguel ou as contas de serviços públicos), mas muitas outras tendem a cair em torno de 50%, como os gastos com alimentação, vestuário, transporte, despesas pessoais, saúde e lazer. O membro restante do casal merece continuar a receber o benefício, mas não há motivos para que ele seja igual ao valor original. Conceitualmente, a pensão deveria evitar que o falecimento do titular cause uma deterioração do padrão de vida do cônjuge, sob a ótica financeira. Isso pode ser conseguido, porém, com uma regra mais restritiva que a atual e que defina o benefício como 50% ou 60% do benefício original. Isso diminuiria bastante o peso da despesa previdenciária do país nas próximas décadas, sem acarretar uma perda de bem-estar econômico ao cônjuge beneficiário, em relação ao padrão da época em que os dois componentes do casal viviam.
A nova disposição, porém, deveria ser condicionada a duas regras complementares: a) o piso previdenciário continuaria a vigorar, ou seja, a pensão não poderia ser inferior ao citado piso de um salário mínimo; e b) o benefício seria ampliado em 20% a 25% por filho menor (até o limite de 100% do benefício). Esta prescrição é recomendada nos casos em que uma tragédia familiar (acidente, por exemplo) leva uma pessoa jovem, permitindo ao cônjuge sobrevivente ser apoiado pelo Estado no período em que deve arcar sozinho com a responsabilidade do crescimento dos filhos, até estes alcançarem a maioridade.
Fonte: O Globo - 13/08/2012