Crise econômica mundial mudou convicções de Dilma
Por Cristiano Romero | De Brasília
A presidente Dilma Rousseff se convenceu de que precisava mudar o modelo de crescimento da economia brasileira no fim do ano passado, quando começou a ficar claro que, mesmo em 2012, o Brasil teria dificuldade para crescer no mesmo padrão do período 2004-2010. Depois de participar em Cannes, na França, da reunião de cúpula do G-20, ela percebeu que a economia mundial entrara numa espiral com efeitos negativos sobre o PIB brasileiro. O mundo não ajudaria mais o Brasil como fez nos anos recentes.
O governo acreditava que, depois de crescer 2,7% em 2011, o PIB reagiria já nos primeiros meses de 2012. A confiança se baseava no fato de o Banco Central (BC) ter começado a reduzir a taxa básica de juros (Selic) em agosto; de o desemprego ter recuado aos menores padrões da história; de a renda média da população ter subido a valores recordes; e de o salário mínimo ter sido corrigido em quase 15% em janeiro.
Nada disso adiantou. Os sinais, pelo contrário, são desoladores: o ritmo de expansão recuou ainda mais na primeira metade do ano e, agora, o PIB pode crescer abaixo de 2% em 2012.
A presidente consolidou visão pessimista do quadro internacional e de seus impactos sobre o Brasil a partir de conversas com chefes de Estado. Em março, durante visita à Alemanha, ouviu da primeira-ministra Angela Merkel que a Europa manteria "austeridade total" neste e nos próximos anos e que, pelo menos até o fim de 2013, seria mantida a política de afrouxamento monetário adotada pelo Banco Central Europeu (BCE). Em resposta a críticas de Dilma, que chamou a política do BCE de "tsunami monetário", Merkel deixou claro que o euro só voltará circular em condições "normais" daqui a três anos.
No fim de março, durante reunião de cúpula dos Brics, em Nova Déli, Dilma escutou do presidente Hu Jintao que a economia chinesa está em processo de desaceleração e também de mudança do modelo de crescimento. Nessa transição - de uma economia liderada pelas exportações para outra puxada pelo mercado interno -, a China, avisou Jintao, passaria a comprar menos minério de ferro do Brasil e mais soja e proteína animal. Isso já estaria ocorrendo.
Em abril, a presidente esteve com Barack Obama, em Washington, onde, assim como em Nova Déli e em Hannover, recebeu más notícias. Obama mostrou-se "muito cuidadoso" com a recuperação da economia americana. Confessou, inclusive, que, por causa da fraqueza desse processo, enfrentaria uma "eleição difícil".
Esse quadro fez a presidente concluir que o Brasil teria que "se virar sozinho", segundo palavras de um colaborador. A partir daquele momento, o que se viu foi um grande ativismo do governo em várias frentes para mover o PIB.
No curtíssimo prazo, Dilma autorizou medidas, como a redução do IPI de automóveis e de outros bens duráveis, para estimular o consumo e ajudar a indústria a desovar estoques. Sem isso, a indústria não voltaria a investir. O governo adotou, também, medidas protecionistas para favorecer algumas indústrias, alegadamente prejudicadas pelas importações.
Numa outra frente, a presidente começou a usar bancos estatais para forçar a redução das taxas de juros cobradas de consumidores e empresas.
Paralelamente a esses movimentos, o Banco Central, em meio ao processo de afrouxamento monetário, aproveitou a piora do cenário internacional para deixar o real perder valor diante do dólar. A cotação da moeda americana, que antes flutuava entre R$ 1,70 e R$ 1,80, mudou de patamar e passou a variar entre R$ 2,00 e R$ 2,10.
Com isso, o governo acredita que criou um novo equilíbrio para a economia, baseado em taxas de juros menores - o juro real está neste momento abaixo de 2% ao ano - e taxa de câmbio menos apreciada, em vez de juros altos e câmbio valorizado. O objetivo é dar melhor condições de competitividade ao setor industrial.
Em reuniões internas, a presidente orientou os ministros das áreas econômica e de infraestrutura a preparem medidas com impacto no médio e longo prazo. O país continuará baseando seu crescimento no consumo, aproveitando-se do fato de ter um amplo mercado consumidor, mas a ideia agora é ter a expansão do PIB liderada pelos investimentos.
A partir de encontros no Palácio do Planalto com um grupo fixo de empresários e banqueiros, Dilma definiu a prioridade da nova etapa de sua política econômica: reduzir custos de produção. Só assim, acredita ela, as empresas terão condições de investir.
As conversas com os empresários, estimuladas por Jorge Gerdau, do grupo Gerdau, foram fundamentais para a presidente fazer uma opção distinta da do modelo que vinha prevalecendo desde o governo Lula: a partir de agora, os investimentos serão liderados pelo setor privado e não mais pelo Estado. Isso ficou claro no anúncio do pacote de concessões para os setores de rodovias e ferrovias.
O governo da presidente Dilma já era diferente, em vários aspectos, quando comparado ao de seu antecessor. Entre outras medidas, ela aumentara o superávit primário das contas públicas, reduzido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus últimos dois anos de mandato; tirara da gaveta o projeto que criou o Funpresp (fundo de PENSÃO dos funcionários públicos federais) e acabou com a aposentadoria integral dos servidores; privatizara os três maiores aeroportos do país; congelara os salários do funcionalismo na primeira metade de seu mandato.
Nas conversas com os principais assessores, Dilma demonstra pressa. Ela não parece mais tão preocupada com o baixo desempenho do PIB no curto prazo, mas, sim, com a capacidade de o Brasil competir em condições de igualdade, daqui a alguns anos, com países emergentes e mesmo com os ricos, que, na sua opinião, sairão da crise atual mais fortes e competitivos. O Brasil precisa estar preparado.
Fonte: Valor Econômico - 17/08/2012