As pensões que ceifam o erário

Benefícios por morte representam uma sangria na PREVIDÊNCIA

O problema está nas situações exóticas, como, por exemplo, a dos companheiros de segurados que contribuíram uma única vez para o sistema e, ainda assim, fazem jus aos valores.

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Abusos em pensões lesam cofre público

Casos de pessoas que recebem o benefício pelo resto da vida por causa de uma única contribuição do parceiro geram R$ 500 milhões de gastos para o INSS. Ainda que haja suspeitas de irregularidades, ministério não consegue impedir pagamentos devido a brechas na lei

» Vânia Cristino

Qualquer um pode pagar uma única contribuição previdenciária e conseguir pensão por toda a vida. Parece uma pegadinha, mas não é. Basta encontrar um segurado ou uma segurada da PREVIDÊNCIA Social com o pé na cova, unir-se a essa pessoa — nem é preciso casar — e pronto. Assim que ela morrer, estará garantido o rendimento. O dinheiro não deixará de pingar mensalmente na conta do beneficiado nem mesmo se ele se casar de novo.

A situação descrita acima parece tirada de um livro de ficção, mas acontece corriqueiramente no sistema nacional de seguridade por causa do que os especialistas classificam como falhas nos desenhos dos planos de PREVIDÊNCIA. Ao contrário do resto do mundo, o Brasil não exige tempo de carência — que nada mais é do que um período mínimo de contribuição — para se ter acesso ao amparo.

E mais. A pensão é sempre integral, independentemente da idade do favorecido, do tipo e da duração da união e da relação de dependência econômica. Também só aqui é possível acumular pensão com aposentadoria ou salário, sem qualquer redução de nenhuma das rendas.
Por causa das regras brandas, o país gasta mais e paga pensões por um tempo muito superior ao resto do mundo. Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, "o Brasil apresenta-se, aos olhos do mundo, como uma exótica trindade, por ser, ao mesmo tempo, jovem como um país pobre, gastar como um país rico e tributar como um país socialista".

Para comprovar o escoamento de dinheiro pelos ralos do sistema, o Ministério da PREVIDÊNCIA Social fez um levantamento do número de pensões por morte autorizadas nos anos de 2009 e 2010 mediante o pagamento de uma única contribuição. As conclusões foram arrasadoras. Em apenas dois anos, 731 benefícios nessa situação foram concedidos, sendo 193 com valor superior a R$ 1 mil. Desses quase 200, nada menos que 106 são de valores próximos ou iguais ao teto, ou seja, o máximo pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), à época já superior a R$ 3 mil.

Longo prazo
Parece pouco ante o número de pensões pagas — o total ultrapassa os 6,8 milhões, sendo que, mensalmente, entram no sistema, pelo menos, mais 30 mil novos pensionistas (veja arte). Mas, segundo o especialista Paulo Tafner, ao se tratar de seguridade social, os números devem ser olhados a longo prazo. A PREVIDÊNCIA estima que o tempo médio de duração das pensões seja de 15 anos. Mas os especialistas discordam desse número, acham pequeno. Considerando-se, portanto, uma projeção de 25 anos, o gasto só com essas 731 ocorrências chega perto de R$ 500 milhões. Com esse recurso, e levando-se em consideração que as pessoas fizeram uma única contribuição, dá para construir 10 mil casas populares.

Tafner tem certeza de que esse universo crescerá exponencialmente se a PREVIDÊNCIA Social estender a pesquisa para os casos em que o benefício foi concedido com o pagamento de até 12 contribuições. "É imoral", diz o pesquisador, que torce para que o ministro Garibaldi Alves consiga emplacar alguma mudança. "Ele está na direção certa ao pegar casos extremos para comprovar a necessidade de se definir um período de carência. Não é suficiente, dada a gravidade do problema, mas é um começo importante", ressalta.

Mexer no sistema de pensões passou a ser uma obsessão de Garibaldi Alves desde que tomou conhecimento dessa realidade. Ele bate nessa tecla toda vez que tem oportunidade. Para o secretário de Políticas Públicas de PREVIDÊNCIA Social do ministério, Leonardo Rolim, além de ser imoral, pensões concedidas nessa situação são injustas. Isso porque poucos segurados, que pagam a contribuição previdenciária a vida inteira, conseguem se aposentar pelo teto.

Fraude legal
Nem mesmo suspeitando, em alguns casos, de "fraude legal" — o que significa que a pessoa sabe que vai morrer e só por isso colabora —, a PREVIDÊNCIA consegue suspender o pagamento do amparo. Entre as 731 pensões concedidas, há exemplos de sobra dessa situação. Um senhor de 60 anos, que nunca tinha contribuído para o INSS, o fez uma única vez, pelo teto, oito dias antes de falecer. A causa da morte foi insuficiência renal crônica, diabete e hipertensão arterial, doenças de evolução gradativa. "É uma fraude legal, gerada pela generosidade da atual legislação", argumenta um técnico.

Por causa de situações desse tipo é que o Brasil é considerado uma distorção. Só com pensões por morte, o país gasta praticamente o triplo — em proporções do Produto Interno Bruto (PIB) — da média internacional, que é de 1% das receitas. No país, segundo Marcelo Abi-Ramia, as mulheres aposentadas por tempo de contribuição, tipo de benefício para o qual não é exigido uma idade mínima, começam a desfrutar o auxílio, em média, 11 anos mais cedo que suas colegas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), assim como continuam recebendo-o por aproximadamente oito anos a mais.

E o direito de obter aposentadorias mais jovens e usufruí-las por um período maior repete-se com os homens, embora em escala menor. No caso deles, a idade de aposentadoria no Brasil é aproximadamente 9,5 anos menor e a duração esperada, sete anos maior. "Contribuir por menos tempo e receber benefícios por um prazo maior é um dos principais fatores que explicam a posição do Brasil como um ponto fora da curva na experiência internacional", explica o especialista.

» Contribuições

Ao contrário das pensões, que podem ser obtidas mediante uma única contribuição, para um segurado conseguir uma aposentadoria são necessários muitos anos de trabalho. Nada menos do que 30 anos de contribuição para a mulher e 35 anos para o homem. E, ao contrário das pensões, dificilmente o trabalhador consegue se aposentar pelo teto do salário de benefícios do INSS, hoje de R$ 3,9 mil.

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Até quem não precisa recebe

A boa doutrina previdenciária sobre as pensões no mundo procura verificar o grau de dependência econômica para a concessão do benefício: se a viúva ou viúvo tem filhos menores para sustentar, e se o beneficiário é idoso, sem possibilidade de voltar ao mercado de trabalho. No caso das viúvas ou viúvos jovens, geralmente o benefício é muito reduzido ou pago por um número limitado de anos %u2014 o suficiente para o sustento do segurado enquanto ele se reposiciona no mercado de trabalho.

Nada disso é observado no Brasil. O grau de dependência econômica é sempre presumido, ou seja, está sempre subentendido que a viúva ou viúvo dependia do segurado para sobreviver, o que nem sempre é verdade. A PENSÃO é a mesma tanto para uma viúva idosa, que nunca foi ao mercado de trabalho, quanto para uma jovem e bem formada, com profissão, salário e emprego, e que, no futuro, terá a sua própria aposentadoria.

Além disso, independentemente da existência de filhos, a viúva recebe sempre a PENSÃO integral, porque as parcelas destinadas aos dependentes legais revertem para o segurado quando eles não têm mais condições de receber (ao atingir a maioridade, por exemplo).

Fonte: Correio Braziliense - 19/08/2012