Os entraves ao avanço da bolsa no Brasil
André Rocha
Juros reais no menor patamar da história, baixo nível de desemprego, aumento da renda real, desempenho superior da economia brasileira comparado ao das economias de países desenvolvidos. Apesar desse cenário, a bolsa brasileira ainda patina. Quais razões impedem o seu pleno desenvolvimento e travam sua rentabilidade?
Responda rápido. Qual indicador tem melhor desempenho em 2012: o Índice Bovespa (Ibovespa) ou o da bolsa francesa, o CAC 40? Tomando por base o cenário de crise na Europa, muitos apostariam no índice brasileiro. Errariam. Até 27/08, o CAC subia 9,2% e o Ibovespa em euros caía 2,0%.
A composição do Ibovespa, muito concentrada em setores de commodities e em bancos, explica esse desempenho. As ações de Petrobras (PETR4 e PETR3) e Vale (VALE5 e VALE3) representam quase 25% do índice. A crise na Europa, o baixo crescimento americano e a desaceleração da China prejudicam o setor de commodities. A incerteza sobre a demanda desses produtos tende a deprimir o preço, prejudicando as ações do setor.
Outro segmento relevante no Ibovespa é o bancário. Itaú Unibanco (ITUB4 e ITUB3), sua controladora Itaúsa (ITSA4) e Bradesco (BBDC4 e BBDC3) representam 13% do indicador. Apesar de terem pouca exposição ao mercado europeu, a crise bancária na região contamina os bancos brasileiros. Como nosso mercado apresenta maior liquidez, as ações dos bancos locais sofrem mais, apresentando desconto significativo em relação aos seus competidores latinos. Escrevi sobre o tema no post "Os bancos brasileiros não são mais rentáveis?", de 30/07/12.
Assim, o cenário externo afeta diretamente o Ibovespa. Reflexo disso, apesar da economia brasileira estar em melhor forma do que a americana, o Ibovespa apresenta maior volatilidade do que o índice Standard & Poor"s 500, o S&P 500. (Veja post "O Ibovespa é mais arriscado do que o S&P500. Até quando?", de 17/02/12).
Para resolver essa situação, a bolsa necessita de mais opções de companhias com atividades voltadas para o mercado doméstico. Após 2004, diversas empresas acessaram a bolsa brasileira, aumentando o universo com essa característica. Contudo, poucas com liquidez. Assim, a demanda por esse tipo de companhia direcionou-se para as poucas ações líquidas ? a de bebidas Ambev (AMBV4), a de aluguéis de carros Localiza (RENT3), a de fumo Souza Cruz (CRUZ3) e a distribuidora de gás e derivados de petróleo Ultrapar (UGPA3), por exemplo. Esse movimento elevou o múltiplo das ações dessas companhias a ponto de o mercado discutir atualmente se esses papéis não se encontram esticados.
Após 2004, investidores estrangeiros invadiram a bolsa brasileira. Inicialmente os fundos dedicados à América Latina (os "Latam funds"). Posteriormente, produtos com foco em ações de emergentes globais, os fundos GEM ("global emerging market"), passaram a investir nas companhias brasileiras.
No entanto, a composição atual da bolsa brasileira afasta outros potenciais investidores estrangeiros. A alocação de ativos no mercado acionário brasileiro não contribui para aumentar a diversificação da carteira do investidor em decorrência da grande correlação do Ibovespa com a condição macroeconômica internacional.
Assim, para a bolsa brasileira tornar-se mais atrativa e reduzir sua volatilidade é necessário que ações de companhias com novas teses de investimento acessem o mercado. E, de preferência, com liquidez suficiente para atrair qualquer tipo de investidor estrangeiro.
Para o pleno desenvolvimento da bolsa brasileira, o ingresso do investidor pessoa física também se faz necessário. Esse público, em regra, não possui problemas de investir em ações menos líquidas. Logo tende a ser um importante investidor das ações de menor capitalização ("small caps") de mercado.
A atual redução dos juros reais tende a atrair novos aplicadores. Mas a alteração da política monetária precisa ser estrutural e não decorrente apenas do momento atual. Será necessário mais um ou dois anos para termos certeza se esse novo cenário de juros baixos é permanente. Por enquanto, apenas 0,6% dos contribuintes que entregaram declaração do Imposto de Renda em 2012 são aplicadores regulares de renda variável.
Outro tipo de investidor que tende a acessar a bolsa em busca de maior rentabilidade são os fundos de PENSÃO. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), investimentos em ações representavam 30,6% do patrimônio dos fundos de PENSÃO em março/12, percentual muito similar ao de dezembro/04, de 30,1%. Tal como para o investidor pessoa física, a queda dos juros precisa ser consistente para atrair tais fundos para o pregão.
Em resumo, uma composição mais diversificada da bolsa e a manutenção dos juros reais baixos são alguns dos aspectos vitais para atrair mais investidores para o nosso mercado acionário.
André Rocha é analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa.
As opiniões contidas neste espaço refletem a visão do analista sobre as companhias, e não a do Valor Econômico. O Valor e o autor não se responsabilizam por prejuízos decorrentes do uso dessas informações (Veja os termos de uso completos em www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista)
Fonte: Valor Econômico - 28/08/2012