O dinheiro começa a voltar
Thiago Bronzatto
Em 2010, os empresários brasileiros que planejavam abrir o capital estavam acostumados a ser muito bem recebidos pelos investidores no exterior. Um deles diz ter vivido uma situação insólita: precisou convencer um grupo de gestores de fundos de que, sim, havia problemas no Brasil – e que havia riscos no plano de crescimento da empresa. "Eles estavam tão otimistas que assustava", diz esse empresário, que pediu para não ser identificado. Dois anos depois, o discurso dos brasileiros mudou bastante: agora, eles têm de provar aos investidores que, apesar de nossos inúmeros problemas, o Brasil oferece oportunidades a quem quer ganhar dinheiro. No último ano, os estrangeiros sacaram 1,3 bilhão de reais da Bovespa. Os brasileiros foram na mesma linha: os grandes fundos institucionais tiraram 4,2 bilhões de reais do mercado, e os investidores individuais, mais 7,8 bilhões de reais. Por falta de demanda, 20 empresas desistiram de abrir o capital na bolsa desde o começo de 2011 e estima-se que outras 50 tenham adiado seus planos. Mas, como o mercado financeiro vive em ciclos, chega uma hora em que o humor dos investidores começa a mudar. Parece ser o caso dos dias atuais. Não há sinal da euforia do passado, mas o discurso tem ficado menos pessimista – e, aos poucos, a bolsa volta a receber investimentos.
E o que mostra uma pesquisa feita por EXAME com 50 das maiores gestoras de fundos nacionais e estrangeiras que aplicam na Bovespa – entre elas as americanas BlackRock e Franklin Templeton, a coreana Mirae e a francesa BNP Paribas, além dos bancos brasileiros BTG Pactual, Bradesco e Itaú, fundos de PENSÃO locais e seguradoras como SulAmérica e Porto Seguro. Ao todo, esses investidores têm cerca de 250 bilhões de reais em ações brasileiras. De maneira geral, os brasileiros são os mais otimistas da pesquisa: 67% dos entrevistados disseram estar aplicando ou planejando aplicar mais na bolsa até o fim deste ano; apenas 21% afirmaram que vão tirar recursos do mercado; e 12% ainda não decidiram o que vão fazer. "Aumentamos 20% nossas aplicações em ações no início deste ano, após oito meses só mantendo as posições. O cenário externo continua complicado, mas há mais novidades positivas aqui", diz Joaquim Levy, diretor-superintendente da gestora do Bradesco e ex-secretário do Tesouro Nacional. Os estrangeiros têm sido cautelosos, mas estão investindo mais do que antes: 44% disseram estar comprando ações; 28% estão vendendo; e 28% estão indecisos (veja quadro na página ao lado).
O que tem feito os investidores mudarem de ideia são os sinais de que a economia pode voltar a crescer no fim do ano. Um índice de atividade econômica calculado pelo Banco Central, que foi divulgado em agosto e funciona como uma espécie de prévia do PIB, subiu 0,75% em junho, a maior expansão mensal desde março de 2011. Além disso, as vendas no varejo cresceram 1,5% em junho, acima das expectativas, e a criação de empregos com carteira assinada, que havia recuado, voltou a subir. O pacote do governo para incentivar investimentos em infraestrutura também ajuda a dirimir a percepção de que Brasília só entra em cena para atrapalhar a vida de quem investe nas empresas brasileiras. "Finalmente, temos um exemplo positivo de atuação do governo na economia. Ainda não voltei a comprar ações de empresas brasileiras, mas já parei de vender", diz o americano Jim Rogers, dono da empresa de investimento Rogers Holdings.
Mais consumo
Além disso, a redução dos juros – e a perspectiva de que esse movimento continue – tem levado alguns gestores a prever uma maior valorização das empresas abertas, já que o crédito mais barato facilita o crescimento das empresas e o consumo das famílias. Segundo um levantamento do Itaú Unibanco, com a redução dos juros ao consumidor neste ano, o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas diminuirá 1 ponto percentual. Com isso, diz o banco, 24 bilhões de reais devem ser liberados novamente para o consumo nos próximos meses. "Agora é o momento de aproveitar os bons preços e comprar, antes da valorização", diz William Landers, gestor da BlackRock, que tem 7 bilhões de dólares na Bovespa.
Diferentemente do que ocorreu entre 2004 e o início de 2008, quando o Ibovespa subiu 503% e quase todas as ações da bolsa valorizaram – os banqueiros de investimento que participaram das 109 aberturas de capital do período costumavam dizer que até tijolo voava no Brasil –, hoje os investimentos estão concentrados em poucos papéis. Os grandes fundos, nacionais e estrangeiros, estão aplicando basicamente em setores voltados para o mercado interno; os preferidos são os de varejo e de infraestrutura, mas os de bancos e de bens de consumo também estão na lista. A lógica é que essas companhias sofrem menos com os efeitos da crise externa e do desaquecimento da China, que prejudicam as exportadoras e as produtoras de commodities.
Apenas seis dos 50 gestores entrevistados disseram estar comprando ações de mineradoras, siderúrgicas, petroleiras e outras empresas de commodities. Mesmo assim, os números das últimas semanas mostram que muitos investidores têm aproveitado uma trégua da crise externa para aplicar nessas companhias. Em 30 dias, o Ibovespa, fortemente influenciado por empresas de commodities, subiu 11%, uma das maiores altas do mundo. "Vale e Petrobras estão num preço baixo numa comparação histórica", diz Eduardo Garcia, diretor de investimento da Fundação Real Grandeza, fundo de PENSÃO das empresas de energia Eletronuclear e Furnas, que tem 11 bilhões de reais de patrimônio. Desde 2010, as ações da Petrobras caíram 36%, e as da Vale, 10%. "Para quem pensa no longo prazo, é uma oportunidade de comprar", diz Garcia.
Ainda que a melhora recente seja visível, somente parte dos recursos que saíram da bolsa em 2011 e no começo deste ano voltou para o mercado. Os grandes fundos institucionais investiram cerca de 2 bilhões de reais de maio para cá, mas sacaram 4,2 bilhões de reais no ano passado. No acumulado dos últimos 12 meses, os fundos estrangeiros resgataram, ao todo, 9 bilhões de reais da Bovespa, segundo um levantamento da consultoria americana EPFR Global. Um dos principais problemas do Brasil, apontado pelos investidores entrevistados por EXAME, é o risco de maior interferência do Estado na economia. Outro é a possibilidade de a inflação subir, o que poderia levar o Banco Central a voltar a aumentar os juros, segurando o crescimento do PIB. Um terceiro é a redução do preço das commodities. "Outros países emergentes, como México e Turquia, têm menos problemas e mais crescimento econômico, por isso os investidores estrangeiros estão migrando para lá", diz Tony Volpon, chefe de pesquisa para mercados emergentes nas Américas do Nomura, maior banco de investimento japonês. Nos últimos 12 meses, a bolsa da Turquia valorizou 26%, enquanto a do México subiu 20% e atingiu seu pico histórico de pontuação. O Ibovespa teve alta de 9% no período, mas continua 21% abaixo da máxima de 73 516 pontos atingida em maio de 2008.
A perspectiva de uma nova deterioração do cenário externo também preocupa os investidores. O PIB da Grécia teve retração de 6% no segundo trimestre e a estimativa dos analistas é que encerre o ano em baixa de 7%. A situação da dívida do país é revista a cada três meses – a próxima reavaliação vai ocorrer em setembro –, e o medo é que os gregos voltem a precisar da ajuda do Banco Central Europeu para rolar a dívida. "É preciso se preparar para tomar um susto a cada três meses", diz João Scandiuzzi, sócio e estrategista-chefe da gestora do BTG Pactual, banco que ganhou o prêmio EXAME de melhor gestor de recursos do ano (leia mais na pág. 26). Atualmente, ninguém descarta o risco de a Grécia sair da zona do euro, com consequências imprevisíveis para a região. Nos Estados Unidos, o problema é como equacionar a situação fiscal. No dia 1º de janeiro, entrará em vigor o Ato de Controle Orçamentário, um plano de austeridade aprovado recentemente que prevê a redução dos gastos públicos e o aumento de impostos. Estima-se que as medidas gerarão um impacto negativo no PIB, levando a economia americana de volta à recessão – referindo-se a isso, Ben Bernanke, presidente do Fed, o banco central americano, chamou o plano de fiscal cliff (algo como "precipício fiscal"). De acordo com a agência de análise de risco Standard & Poor"s, o risco de recessão nos Estados Unidos é de 25%. Numa carta enviada aos clientes em agosto, David Kostin, estrategista de ações do banco Goldman Sachs em Nova York, recomendou que os investidores vendessem suas ações – ele acredita que o índice S&P 500 vai cair pelo menos 12% até o fim deste ano, exatamente a alta acumulada até agora. Dinheiro que sai dos Estados Unidos, dinheiro que vem para o Brasil. Talvez seja mais um ciclo favorável às ações brasileiras se iniciando – após quase três anos de estagnação, já passava da hora.
Com reportagem de Maria Luíza Filgueiras, Daniela Rocha e Daniel Barros
Fonte: Exame - 01/09/2012