Visão de futuro
Por Guilherme BARROS
O ano é 2027. O Brasil sagrou-se heptacampeão mundial no futebol, está entre os dez países com maior número de medalhas na Olimpíada, finalmente ganhou um prêmio Nobel e já é a quarta economia global, só superado por China, Estados Unidos e Japão. O termo Brics já é coisa do passado e dá vez à sigla Cheujabal, grupo formado por China, Estados Unidos, Japão, Brasil e Alemanha, os países que dão as cartas no planeta. A ex-presidenta Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo, acaba de cumprir o seu segundo mandato consecutivo na Secretaria-Geral da ONU. A descrição pode parecer excessivamente otimista, mas, daqui a 15 anos, tudo isso pode se tornar uma realidade tão corriqueira como o celular e a internet são hoje na vida do País, inimagináveis em 1997, quando nascia a revista DINHEIRO.
Para o Brasil, que já teve avanços consideráveis nesta última década e meia, mudar de patamar no tabuleiro do mundo vai depender da forma como será conduzido neste e nos próximos três governos. Mas as cartas principais, desde já, estão na mesa da presidenta Dilma e de sua equipe econômica. Depois de baixar os juros ao menor nível da história e incentivar o consumo com a redução temporária de impostos e encargos trabalhistas, driblando os efeitos da crise nos países desenvolvidos, o Planalto começa a atacar os principais entraves para o desenvolvimento do País a longo prazo.
A ordem de Dilma é reduzir o chamado custo Brasil e incentivar o investimento das empresas, garantindo a competitividade internacional e, claro, os empregos dos brasileiros no futuro. "Está havendo uma grande mudança estrutural na matriz econômica. Isso vai, com certeza, levar o País a alcançar um novo patamar de competitividade", disse à DINHEIRO o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. É dele a missão de tentar enxergar e pensar o longo prazo no País. Aos 61 anos, esse economista mineiro é amigo de Dilma desde a década de 1960, quando atuaram juntos na oposição à ditadura militar. Pimentel tem feito a interlocução com o empresariado para atrair novos investimentos.
O tamanho de seu desafio pode ser medido por um grande painel que decora seu gabinete, em Brasília. Ali, em meio a discussões sobre a globalização e a vida digital, vê-se um carro de boi numa fazenda colonial do século 17. Não se trata de uma mera coincidência a fotografia, rural e primitiva, servir de reverência ao arcaísmo ainda presente em instâncias governamentais. Talvez seja esse o grande desafio dos próximos 15 anos: eliminar a ferrugem que ainda emoldura os quadros do Estado. Na semana passada, Pimentel fechou acordo com as montadoras para o novo regime automotivo, que irá vigorar de 2013 a 2017. Ficou definido o aumento de 30 pontos percentuais do IPI tanto para as importadoras como para as montadoras instaladas no País.
As empresas terão direito a um desconto se atingirem as metas de redução de consumo de combustível de seus produtos e de utilização de componentes nacionais. Com isso, Pimentel pretende atrair novos investimentos. As chinesas JAC e Chery e a alemã BMW já sinalizaram que irão construir suas fábricas no Brasil. Fiat, Volks, Ford e GM também estão se mexendo. "Nossa indústria é muito boa, pujante, sólida, mas é atrasada", diz Pimentel (leia entrevista ao final da reportagem). "Nossos carros precisam ser atualizados, e, para dar o salto que o Brasil precisa, fizemos esse novo regime automotivo."
DESATANDO OS NÓS O novo regime é um passo importante para alavancar investimentos, mas não é o único. A taxa básica de juros caiu de 12,5% para 7,5% em um ano, e há previsões de uma nova queda. A economia que isso traz na rolagem da dívida pública abre espaço para o governo abrir mão de impostos e ampliar investimentos. A política cambial também mudou. Em um ano, o real se desvalorizou nada menos do que 29%, uma variação que poderia ser classificada de maxidesvalorização. Mas é preciso avançar mais. "Só juros e câmbio não irão fazer com que o Brasil atinja o crescimento sustentado", diz Octavio de Barros, chefe do departamento econômico do Bradesco.
O governo sabe e por isso adotou mudanças tão grandes, com efeitos benéficos de longo prazo na economia. Promoveu a desoneração na folha de pagamento para 40 setores, anunciou um amplo programa de concessões na área de infraestrutura abrangendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, reduziu a tarifa de energia elétrica e marcou para novembro de 2013 o primeiro leilão do pré-sal, sob o regime de partilha, depois de quatro anos sem novas ofertas, entre outras decisões. Talvez o maior nó a ser desatado para garantir o desenvolvimento nos próximos 15 anos seja o da elevada carga tributária. Em algum momento, a reforma tributária tem de ser alvo de uma ação enérgica do governo, defende Pimentel.
O objeto principal é o ICMS, que responde por pouco mais de 20% de tudo o que se arrecada de impostos no Brasil. Até o início do ano que vem, o governo pretende levar uma proposta ao Senado para unificar o ICMS dos Estados. No curto prazo, há outras mudanças a caminho. Entre elas, reformas na legislação trabalhista, com uma nova lei de greve para evitar que o País seja surpreendido em momentos importantes como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e a Olimpíada de 2016. Outra prioridade é uma nova reforma da PREVIDÊNCIA. O governo quer elevar a idade de aposentadoria dos servidores públicos para 65 anos, no caso dos homens, e de 60 anos para as mulheres.
Essa agenda de reformas não é simples. O Brasil ainda necessita de avanços significativos na área de educação. "Não há exemplo no mundo de um País que tenha se desenvolvido sem investir em educação", diz José Márcio Camargo, economista da Opus Investimento e professor da PUC-Rio. O importante é que o debate do desenvolvimento está mais maduro. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, vê o Brasil avançando em todas as áreas. "O avanço se dá em progressão geométrica", afirma. As preocupações com a educação, o social e o meio ambiente estão presentes em todas as esferas.
"O foco nas questões sociais e no meio ambiente não é só do governo, mas principalmente da sociedade", diz o empresário. Franklin Feder, CEO da subsidiária brasileira da Alcoa, gigante do alumínio, aposta em um crescimento contínuo da economia brasileira daqui para a frente. "Temos uma política macroeconômica bem resolvida, um mercado promissor, uma demografia favorável", diz Feder. "Não há como não dar certo." Nos últimos meses, o investimento tem sido quase uma obsessão do governo. O pacote de concessões foi criado com esse objetivo, assim como a redução na tarifa de energia elétrica. Fala-se agora em queda do preço do gás. É o caminho correto.
"O Brasil tem de apostar mais no investimento e menos no consumo", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. Quando as medidas forem totalmente implementadas, os efeitos positivos serão permanentes. "O Brasil daqui a 15 anos vai ser bem diferente do que é hoje, bem mais competitivo e com maior capacidade de distribuição de renda", afirma Otávio Azevedo, presidente do grupo Andrade Gutierrez. "O foco que o governo está dando agora em infraestrutura vai transformar o País." Para Azevedo, Pimentel tem tido um papel relevante nessa mudança. "O ministro tem sido um constante defensor da produção", diz.
OBSESSÃO Pimentel entrou no governo pela cota pessoal da presidenta. Sua escolha foi feita quando o País tinha uma espécie de primeiro-ministro informal, Antonio Palocci, que ocupava a chefia do gabinete civil da Presidência. Dilma não queria que toda a interlocução do governo com o setor privado ficasse concentrada nas mãos de Palocci. Pimentel assumiu o Desenvolvimento com essa missão. A proximidade entre Dilma e Pimentel pode ser medida pela forma como eles se tratam. Ela o chama de Fernando, ele a trata por Dilma. Pimentel é um dos poucos ministros, se não o único, que tem essa liberdade.
Ele a acompanha em todas as viagens internacionais, e, com frequência, é quem redige seus discursos. Dilma afirma que ele talvez seja o melhor intérprete de suas ideias. As afinidades não se limitam aos assuntos de gabinete. Eles também trocam CDs de música popular e muitos livros – um dos principais hobbies de Pimentel, assim como da presidenta, é a leitura. Os dois devoram obras históricas que relatam os períodos das ditaduras militares na América do Sul, principalmente Brasil e Argentina. Apesar de toda essa proximidade, Pimentel não escapa das famosas reprimendas de Dilma.
Segundo relatos do Palácio do Planalto, a presidenta já pediu a ele, por exemplo, que não se manifestasse a respeito das negociações entre Abilio Diniz, então acionista majoritário do Pão de Açúcar, e o grupo francês Carrefour. Pimentel tinha declarado ser importante a criação de uma grande empresa brasileira de varejo. Dilma também deixou bem claro que não queria qualquer tipo de divergência com a Fazenda. Ela detectara farpas lançadas pela equipe do Desenvolvimento contra o ministério comandado por Guido Mantega e ficou aborrecida. Os dois ministros são poderosos e importantes para a transformação permanente de que o Brasil precisa. Mas, ao fim e ao cabo, quem manda é a presidenta.
"Não é mais possível conviver com esse caos tributário"
Após ter fechado o novo regime automotivo, Fernando Pimentel, ministro do Desenvovimento, parte para novos desafios. As palavras-chaves são competitividade e inovação. O grande desafio é o de aumentar o investimento no País. "Os empresários já estão tendo que investir mais." A próxima frente de batalha de Pimentel será a reforma tributária, em especial do ICMS. Ele falou com a DINHEIRO. Confira os principais trechos da entrevista.
O que muda com o novo regime automotivo?
Antes de mais nada, é bom deixar claro que o IPI para carros importados não aumentou. O IPI subiu em 30 pontos para todos os carros. Só que os veículos produzidos no Brasil, e que têm conteúdo nacional e componentes de exigência tecnológica e de inovação, se beneficiam com um abatimento desse aumento de 30 pontos percentuais de imposto. Na verdade, o que criamos foi um mecanismo de incentivo tributário para a inovação tecnológica na indústria automobilística. Para se beneficiar desse mecanismo é preciso produzir no Brasil. Quem simplesmente importa o carro não se beneficia.
Há quem diga que se trata de uma medida protecionista...
A lógica dessa mexida do IPI não foi a da defesa ou a da proteção. A lógica foi a da inovação. Foi a de incentivar a nossa indústria automobilística a dar um salto tecnológico. O Brasil tem de voltar a ser um grande exportador de automóveis. Para isso, é preciso estar no estado da arte da inovação tecnológica, e a nossa indústria não está.
O novo regime automotivo irá atrair novos investimentos?
Serão feitos vários anúncios de investimentos. Pelo menos duas grandes fábricas chinesas anunciarão investimentos no Brasil. A BMW também irá construir uma unidade no País. Outras empresas, mesmo as que já estão aqui, vão anunciar a expansão e a modernização de suas linhas de produção, com os incentivos que o regime vai proporcionar. Será um salto tecnológico, um salto qualitativo importante para a nossa produção automobilística. O Brasil é um grande mercado e tem de ter uma indústria automobilística à altura, e terá. Nossos fabricantes de automóveis, as multinacionais que aqui estão, vão investir pesadamente nessa atualização tecnológica, que é necessária, e isso vai voltar a fazer do Brasil um grande exportador de automóveis.
O governo passou a apostar mais na microeconomia para tornar a indústria mais competitiva?
Está havendo, de fato, uma grande mudança estrutural na matriz econômica, que vai, com certeza, levar o País a alcançar um novo patamar de competitividade. Em primeiro lugar, a queda da taxa de juros. Nós saímos de uma taxa de juros de 11,25% em janeiro do ano passado até chegar aos atuais 7,5%. Significa um juro real de 2%, inédito na história econômica do País. O câmbio também foi ajustado. Depois de um longo período de valorização, o real chegou até R$ 1,70 por dólar, e hoje está na casa de R$ 2,00, R$ 2,10, o que é um câmbio razoavelmente ajustado, que proporciona mais conforto para o exportador.
O governo vai enfrentar a questão da carga tributária?
Já está havendo um claro esforço do governo em favor da redução da carga tributária. Já são 40 setores favorecidos com a desoneração da folha de pagamento. De 20% a 30% do setor industrial brasileiro estão com o novo sistema de tributação, sobre o faturamento. Isso funciona como uma sobra, um capital de giro importante para as empresas. Foram tomadas outras medidas de desoneração, como a redução do IPI para incentivar alguns setores de bens de consumo.
Como isso se refletirá no ânimo dos empresários para investir?
Há uma mudança do cenário, que vai, obviamente, implicar uma mudança do padrão empresarial no Brasil. O setor empresarial estava adaptado a uma economia com a taxa de juros muito alta e um câmbio desfavorável. Nesse cenário, os empresários tinham internacionalizado grandes pedaços da cadeia produtiva. Com isso, o produtor brasileiro estava desestimulado, perdia mercado. Por outro lado, como o juro era muito alto, as empresas mantinham seu caixa mais voltado para as operações de tesouraria, para o ganho financeiro, em vez de aplicar no investimento produtivo. Agora, deixar o dinheiro aplicado no mercado financeiro já não propicia mais o retorno de antes. O setor empresarial está tendo de investir mais.
O que mais o governo cogita fazer?
Outro ponto importante que terá de ser atacado é a reforma tributária, em especial do ICMS, o nosso principal tributo. Não é possível convivermos mais com esse cipoal de 27 legislações regionais diferentes do ICMS, um verdadeiro caos tributário. Isso tem que mudar, e será mudado. No próximo ano, esse caminho terá de ser trilhado, e o governo, com toda a certeza, vai se posicionar a respeito.
Fonte: Isto É Dinheiro - 22/09/2012