A encruzilhada da seguridade social

Na América Latina e no Caribe, mais de 70% da população em idade de trabalhar não contribui com nenhum sistema de PENSÃO

Elizabeth Tinoco

Diretora regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe

Na América Latina e no Caribe, mais de 70% da população em idade de trabalhar não contribui com nenhum sistema de PENSÃO. É um dado excessivamente preocupante em uma região onde as taxas de natalidade caem fortemente e o envelhecimento da sociedade não tem precedentes. Nesse cenário, temos o desafio de avançar rumo a uma mudança de paradigmas quando falamos de seguridade social no presente e no futuro.

Bastar dar uma rápida olhada na situação demográfica. As últimas cifras de organismos especializados indicam que a população de adultos maiores de 60 anos já representa 9,9% do total e será mais de 35% em 2100. Em 2040, pela primeira vez, haverá mais adultos velhos do que jovens.

As últimas estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que somente 27,6% das pessoas entre 15 e 64 anos contribuem para aposentadoria em sua região. Isso inclui tanto aquelas pessoas que se consideram economicamente ativas como as que não pertencem à força de trabalho. Mas a verdade é que todos envelhecemos e todos necessitaremos de uma renda para enfrentar a pobreza em idade avançada.

Por seu lado, a diferença de cobertura na proteção é significativa, pois 40% dos que têm mais de 65 anos não recebem nenhum tipo de aposentadoria. A proporção é similar para os serviços de saúde da seguridade social, nos quais, por certo, os adultos mais velhos são usuários que demandam grande quantidade de serviços.

Além disso, devemos considerar que os sistemas de proteção social devem apontar outros grupos vulneráveis da população, como doentes ou deficientes, pessoas sem renda ou desempregadas, crianças que são obrigadas a trabalhar ou os que sobrevivem da renda de um trabalhador falecido e não têm do que viver. Nesse contexto, a seguridade social deve ser vista como ferramenta para lutar contra a pobreza e a exclusão social.

O primeiro passo para a mudança de paradigmas passa pelo entendimento de que os sistemas de proteção social não podem ser vistos como gastos nem caridade, senão que representam oportunidade de fortalecer as economias e de contribuir para um desenvolvimento que permita eliminar a pobreza e a desigualdade atuais.

Uma região com muitas pessoas mais velhas, a maior parte desprotegidas, sem rendimentos e, portanto, em situação de pobreza, com sistemas sanitários em colapso, não parece o retrato do futuro que queremos hoje.

A baixa proporção de pessoas que conseguem contribuir com uma parte de sua renda nos indica que será impossível financiar os sistemas de seguridade social somente com contribuições pessoais, ainda mais se houver cada vez mais adultos velhos e menos jovens.

Sem dúvida que, tal como ocorre em muitos países avançados, corresponde um papel ao Estado, bem como à sociedade em seu conjunto. Os sistemas de seguridade social baseados exclusivamente em regimes contributivos são ideais mas pertencem ao passado e agora é necessário gerar opções não contributivas também.

A Organização das Nações Unidas tem enfrentado o desafio da diferença na seguridade social com uma proposta que busca maximizar a cobertura até torná-la universal, mediante o uso eficiente e criativo dos recursos disponíveis. É a Iniciativa do Piso de Proteção Social e busca combinar a garantia de uma renda básica para todas as pessoas com a prestação de serviços essenciais, por exemplo, em saúde.

As iniciativas do Piso, que é uma das prioridades de ação para a OIT, parte do fato de que, se as iniciativas de proteção social são bem planejadas, podem ser financiadas com diversas fontes de recursos e, sobretudo, são rentáveis, pois contribuem para manter na economia pessoas que de outra forma estariam marginalizadas.

Durante a crise internacional, nos países em que os efeitos foram mais moderados e a recuperação, mais rápida, as medidas de proteção social, desde os seguros-desemprego até as transferências condicionadas de renda, tiveram um efeito positivo, pois permitiram manter a demanda e contribuíram para a produtividade laboral.

A seguridade social vista com um olhar mais moderno deve ser considerada como medida de impacto multidimensional que beneficia as pessoas, as comunidades, os locais onde trabalham ou vivem e, portanto, atuam como estabilizadores econômicos.

Em certo sentido, estamos em uma encruzilhada. Enfrentamos o dilema de remendar que nunca funcionaram bem e que serão ultrapassados ou seguir o caminho de iniciativas que contribuam para o bem-estar cidadão como base de sociedades economicamente mais competitivas e socialmente mais inclusivas. Sem proteção social adequada, será impossível ter sociedades de qualidade capazes de enfrentar com êxito a globalização.

Fonte: Correio Braziliense - 01/10/2012