Bacha retorna à 'Belíndia' e defende o caminho do meio

Em novo livro, economista recupera termo dos anos 1970 usado para explicar o país

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Era preciso primeiro crescer para depois repartir o bolo. Esse era o discurso da ditadura militar nos anos 1970, quando o crescimento ocorria com concentração. A oposição ficava irada com a argumentação. O Brasil, com sua abissal desigualdade, seria uma combinação de Bélgica com Índia. Uma Belíndia.

A expressão apareceu num debate sobre distribuição de renda no auditório do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 1972. O economista Edmar Bacha a captou e resolveu usá-la para escrever uma fábula sobre a economia brasileira.
Na reunião da SBPC de 1974, mostrou seu texto para Celso Furtado, que enviou a história a Raimundo Pereira, o editor do jornal "Opinião", que contrariava o regime.

"O Economista e o Rei da Belíndia: Uma Fábula para Tecnocratas" foi publicada nas páginas centrais do semanário e se integrou ao "arsenal da oposição à ditadura militar", lembra hoje Bacha em "Belíndia 2.0" (Civilização Brasileira).

O texto original -que abre o livro- traz uma crítica à forma de contabilidade da riqueza nacional, que encobre as diferenças de renda e aponta o PIB como "uma espécie de Felicitômetro dos Ricos" (quanto mais rico o domicílio, maior seu peso na média nacional).

Ecoando clássicos como "Os Dois Brasis", de Jacques Lambert, e "Brasil Terra de Contrastes", de Roger Bastide, o termo Belíndia foi um achado e entrou nos dicionários de política e economia que tentam explicar o país.

Voltando ao tema, Bacha mostra que, de 1999 e 2009, "quanto mais pobre o domicílio, mais sua renda per capita cresceu", ao contrário do que ocorrera anteriormente. Mas o livro não é sobre a desigualdade hoje.

"Belíndia 2.0" é uma coletânea de vários ensaios do professor aposentado que participou das entranhas dos planos Cruzado e Real e presidiu o BNDES (governos Sarney e FHC).

Os textos, partindo de 1974, atravessam debates com o FMI; abordam inflação inercial, taxa de juros, política cambial e commodities. O Plano Real tem destaque.

Expõe a preocupação com os embaraços entre controlar a inflação, ter equilíbrio externo e crescimento econômico sustentável. Pouco fala do movimento generalizado de queda de inflação que ocorria no mundo naquela época.

Questões sociais aparecem em texto escrito em parceria com Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE. Os autores atacam a PREVIDÊNCIA do setor público, a gratuidade das universidades públicas, os gastos do SUS e a tolerância com "bicos" de policiais.

"Para ter dinheiro para praticar política social de qualidade para os 80% mais pobres, é preciso limitar os privilégios dos 20% mais ricos, o que significa confrontar corporações que representam os seus interesses", defendem.

É uma tese polêmica. Como é a que Bacha desenvolve com o americano Albert Fishlow no artigo sobre commodities e crescimento na América Latina.

Nele, os economistas rechaçam ideias como a "maldição das commodities", a doença holandesa (provocada pela valorização demasiada da moeda) e a desindustrialização.

"As indústrias não relacionadas com as commodities estão enfrentando dificuldade maior do que antes para manter o crescimento de suas exportações, mas têm muito espaço para expandir-se em um mercado interno em rápido crescimento e que continua bem protegido."

Sendo um dos ideólogos das políticas que tomaram o país nos anos 1990, Bacha se concentra nos temas da austeridade e do controle da inflação e dos gastos de governo. Geração de empregos (e a qualidade deles), salários e indústria são menos enfatizados. A crise de 2008 é abordada de forma lateral.

No conjunto, o livro mostra pontos da evolução do pensamento de Bacha, 70, que, após deixar o governo, foi consultor do Itaú/BBA e hoje é sócio da entidade de estudos Casa das Garças.

Ao final da obra, o economista volta às fábulas e escreve "O Discreto Erotismo da Macroeconomia". Nela, brinca com "ultramonetaristas" e "ultrakeynesianos". "Posições extremas são excitantes de tempos em tempos, mas somente o Caminho do Meio unifica e transcende a dualidade", filosofa.

BELÍNDIA 2.0
AUTOR Edmar Bacha
EDITORA Civilização Brasileira
QUANTO R$ 59,90 (462 págs.)
AVALIAÇÃO Bom

Fonte: Folha de S.Paulo - 13/10/2012