Passando dos 90

No Brasil ainda não há produtos financeiros programados para assegurar renda satisfatória aos que viverão muito

George Vidor

Planos de saúde, de seguros e PREVIDÊNCIA privada não tinham considerado a hipótese de um número considerável e crescente de pessoas passar dos 90 anos. Mesmo em um país não desenvolvido como o Brasil, o número de pessoas com mais de 100 anos dobra a cada censo demográfico. Para garantir uma renda vitalícia que leve em conta os muito idosos, empresas seguradoras e de PREVIDÊNCIA complementar terão de repensar seus produtos financeiros, para evitar o fenômeno conhecido informalmente no mercado como "Jorginho Guinle". Conhecido bon vivant , e de família originalmente rica, Jorginho era de uma geração cuja expectativa de vida dos homens não chegava aos 80 anos, e não havia o hábito de se preocupar com a velhice. Jorginho curtiu muito a vida, mas quando chegou aos 80, o dinheiro havia acabado...

A igreja católica chegou a criar em Copacabana, bairro carioca com maior percentagem de idosos, uma pastoral voltada para a pobreza envergonhada, para auxiliar pessoas não tão notórias que viram seu padrão financeiro despencar na velhice e não querem confessar isso a amigos e parentes.

As famílias hoje já não são mais numerosas, e os idosos urbanos não terão mais com quem se abrigar (no campo, a aposentadoria rural das pessoas mais velhas é importante para o orçamento doméstico, mas nas cidades, nem tanto). Então, cada casal ou indivíduo de classe média, com renda mensal acima do teto dos benefícios da PREVIDÊNCIA social - atualmente na faixa de R$ 3.900 - precisará fazer seu próprio pé de meia. Com a queda das taxas reais de juros e o retorno incerto no mercado de ações, a tendência é que poucos consigam acumular patrimônio financeiro suficiente para assegurar o mesmo padrão de vida durante toda a aposentadoria. Um exemplo prático: com juros reais de 6% ao ano, quem tivesse uma renda mensal da ordem de R$ 5 mil poderia chegar a um patrimônio financeiro de R$ 1 milhão, em 35 anos, poupando menos de R$ 800 por mês. Com juros reais na faixa de 2%, o esforço de poupança teria de se multiplicar por seis vezes, durante o mesmo período, para se atingir o mesmo valor, o que é inviável.

A companhia centenária Mongeral Aegon reuniu recentemente no Rio estudiosos do tema, vindos da Inglaterra e da Holanda, para debater o assunto. Eles apontaram alguns caminhos para se chegar a uma solução que assegure uma renda vitalícia capaz de atender dignamente pessoas que alcançarem idade muito avançada.

No caso da Europa, os especialistas consideram que a idade de aposentadoria teria de saltar para 71 anos. Na Inglaterra, a aposentadoria compulsória agora é aos 75 anos. Feito o ajuste para um país com o perfil demográfico brasileiro, essa idade aqui seria de 67 anos.

Os planos de PREVIDÊNCIA complementar geralmente se programam para que seus participantes formem um patrimônio financeiro que lhes assegurem renda até 80, 90 anos, no máximo. Para a hipótese de essa faixa de idade ser ultrapassada, o participante teria que "comprar" uma renda posterior vitalícia, pagando por ela, no ato da aposentadoria, o correspondente a 15% do que tiver acumulado no seu fundo de PREVIDÊNCIA complementar. É uma possibilidade que já começa a ser adotada no mercado europeu, mas que ainda não existe no Brasil.

Fonte: O Globo - 05/11/2012