Governo mira fundos estatais
Medidas para se viver com os juros baixos
Governo planeja adaptação para fundos de PENSÃO e empresas, além de investimentos e financiamentos
Vivian Oswald
Geralda Doca
Taxa. Alexandre Tombini vai comandar esta semana reunião sobre os juros. Mercado aposta na manutenção em 7,25%
BRASÍLIA No momento em que a estabilização da moeda completa a maioridade, o desafio do país agora é adaptar a economia ao novo patamar de juros, os mais baixos da história. Um arcabouço legal mais moderno está sendo preparado pelo governo para garantir essas mudanças e estimular investimentos. No cardápio da equipe econômica, há desde a criação de novos títulos públicos à exigência de que os fundos de PENSÃO estatais, como Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa), apliquem recursos em investimentos de mais longo prazo. Além disso, prevê estímulos para aquisição de debêntures emitidas por empresas, incentivos fiscais para aplicações mais longas e benefícios para compra de cotas de projetos de infraestrutura considerados prioritários pelo governo. Esta semana, a diretoria do Banco Central decide os novos juros básicos.
O governo estuda, por exemplo, obrigar os fundos de previdência fechados a reduzir a meta atuarial (rentabilidade mínima). Haverá uma reunião do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), no fim deste mês, e a ideia é que, por quatro anos, as entidade reduzam a meta em 0,25% a cada ano, de forma a atingir entre 4% e 5% ao ano, mais inflação. Atualmente, a meta está em torno de 6% ao ano. Hoje, só os fundos de PENSÃO fechados, incluindo estatais, têm patrimônio de R$ 600 bilhões.
A exigência vai elevar o déficit do setor, de R$ 8,7 bilhões em 2011 para R$ 12 bilhões em um ano. A saída então será buscar alternativas já previstas na lei para aumentar as receitas. Para alcançar mais rentabilidade, os fundos terão que investir também na capacitação de seus dirigentes. No caso dos fundos de PENSÃO abertos (planos de previdência comercializados), o governo quer incentivar a aplicação por prazos mais longos, reduzindo o imposto para quem mantém recursos por 10 anos. Com o poder de fogo das aplicações destes fundos, espera incentivar as mudanças no perfil do mercado.
Novo papel destinado à infraestrutura
Outro projeto para enfrentar os juros baixos é a criação de um novo papel direcionado a investimentos em infraestrutura, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fidc), com isenção de imposto de renda para pessoas físicas e investidores estrangeiros. Pessoas jurídicas pagarão um imposto reduzido, de 15% (atualmente, a alíquota é de 34%). O prazo mínimo da aplicação será de quatro anos com correção por uma taxa de juros fixa ou índice de preços (não poderá ser atrelado à Selic).
Além disso, não se descarta a criação de novos títulos públicos atrelados, por exemplo, a uma taxa Libor brasileira (corrigida a cada três ou seis meses) no lugar dos títulos que têm correção diária do DI (taxa que remunera aplicações de curtíssimo prazo). Outros estímulos para a aquisição de debêntures emitidas por empresas com o objetivo de acelerar os mecanismos de financiamento para o setor produtivo estão sendo considerados, assim como estímulos fiscais para aplicações mais longas e alteração no conceito de longo prazo dos investimentos.
Em discurso recente, o presidente do BC, Alexandre Tombini, disse que os novos patamares de juros facilitarão a ampliação dos horizontes, incentivando uma maior participação da indústria bancária e do mercado de capitais no financiamento da economia.
- Por outro lado, esse novo ambiente exigirá atenção redobrada dos participantes de mercado na assunção e gerenciamento de riscos. O Banco Central está atento a esse processo. Devemos observar também mudanças importantes na indústria bancária, com uma maior presença de instituições brasileiras em outros países. O que já está em curso, principalmente em outras economias da América Latina, mas também em outros continentes - disse.
O auditor Marco Antônio Dias, que se considera um pequeno investidor, conta que, no fim de 2011, sentiu na pele a queda forte na Selic. Começou então a diversificar sua carteira, porque sabe que a rentabilidade do passado não será mais viável sem riscos.
- Hoje, aplico em fundo de ações e em títulos de renda fixa, atrelados à inflação - disse.
Algumas medidas microeconômicas já devem ser anunciadas este ano. Outras serão discutidas com o mercado. Se, por um lado, o sistema financeiro brasileiro está entre os mais sofisticados do mundo, por outro, se organizou para operar em um ambiente de juros altos. Assim, aplicações, investimentos e financiamentos deverão se adequar aos novos tempos. O lema é assumir mais riscos se a ideia é ter uma rentabilidade maior. Instituições financeiras e a própria sociedade precisam se adaptar.
- É como se fosse um estádio cheio. O ideal é que todos assistam ao jogo sentados, mas todos estão em pé e ninguém quer ser o primeiro a se sentar. Cabe ao governo organizar esse momento. É uma mudança cultural - disse um técnico do governo.
No caso dos fundos de PENSÃO fechados, responsáveis pelas aposentadorias e pensões de milhares de participantes, eles precisarão correr mais risco e investir em ações, infraestrutura, imóveis e em ativos no exterior. Ainda assim, com juros reais em torno de 4%, o governo já espera um movimento semelhante ao que aconteceu com os bancos com o fim da hiperinflação. Algumas entidades vão desaparecer ou terão que transferir seus planos para outros gestores, chamados multipatrocinados (que administram fundos de várias empresas).
Sem isso, de acordo com projeções do governo, somente terão condições de sobreviver fundos com patrimônio acima de R$ 300 milhões e com mais de mil participantes. Considerando o relatório consolidado no setor em 2011, 120 entidades têm chances reais de sumir, de um universo de 337.
- O setor passará por uma profunda transformação e deve ser acompanhado com cuidado - disse um interlocutor.
Fonte: O Globo - 25/11/2012