Há que reequilibrar o Brasil

Todos nós precisamos nos reinventar de vez em quando para continuar evoluindo. Países também

Ilan Goldfajn

ILAN GOLDFAJN, ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ , UNIBANCO, SÓCIO DO ITAÚ BBA

Todos nós precisamos nos reinventar de vez em quando para continuar evoluindo. Países também. Após dois anos de crescimento fraco, fica claro que o Brasil precisa reequilibrar sua economia. Não basta ter um crescimento forte do consumo numa economia com mercado de trabalho aquecido e mercado doméstico pujante. Para continuar a crescer o Brasil terá de ser capaz de investir mais, educar mais. É necessário elevar a produtividade da economia para sustentar os salários altos e aumentar a competitividade das empresas. Conseguir reequilibrar a economia exige visão e planejamento, oferecendo segurança do caminho a seguir. O resultado seria a volta dos investimentos, que traria tanto a tão desejada retomada da atividade no curto prazo quanto o crescimento sustentado nos próximos anos.

A divulgação, na sexta-feira, do produto interno bruto (PIB) do Brasil no terceiro trimestre decepcionou e confirmou uma tendência preocupante. O crescimento foi apenas metade do esperado (pelo governo e por analistas). Mais preocupante ainda foi a composição desse crescimento. Enquanto o consumo das famílias continuou crescendo forte, os investimentos caíram pelo quinto trimestre consecutivo, apesar dos diversos incentivos já adotados pelo governo. A ausência de uma reação dos investimentos (hoje em 18,5% do PIB) mostra o desafio atual de reequilibrar a economia com vista a manter o crescimento no País.

A necessidade de reequilíbrio não é exclusividade do Brasil. Já faz cinco anos da crise financeira internacional de 2007/8 e vários países tiveram de mudar seu trajeto. Não havia mais espaço para o crescimento com base em crescente endividamento nas economias maduras (EUA, Europa). Os balanços do setor privado foram os primeiros a se ajustar, o que tende a ser contracionista, obrigando os governos a lidar com o risco de recessão e deflação. Agora ficou a difícil fase de ajustar os balanços dos governos para equilibrar as dívidas crescentes.

As economias emergentes também precisaram reinventar-se. O crescimento baseado em exportação para as economias maduras deixou de ser a via rápida e certa para o desenvolvimento. A China é o caso mais emblemático dessa mudança necessária.

De certa forma, a China precisa do inverso do Brasil: consumir mais e investir menos. Precisa "rebalancear" sua economia para seu próprio bem e pela saúde do resto do mundo. O investimento por lá chegou a 48% do PIB, mas o consumo não cresceu no mesmo ritmo. As razões para a falta de crescimento rápido do consumo são paradoxalmente parecidas com as razões daqui para a falta de investimento. Faltam perspectiva e segurança quanto ao futuro. Há receio de gastar e não ter uma aposentadoria digna, dada a falta de PREVIDÊNCIA pública. Ou de não ter os recursos para pagar gastos com saúde, dada a falta de um sistema público acessível a todos. O resultado da necessidade de ajuste na China tem sido a redução da taxa de crescimento nos últimos trimestres. Mas os sinais recentes são de estabilização do crescimento em patamar ainda muito alto, de 7,5%, e perspectivas de aumento de salário e reformas que devem incentivar o consumo.

No Brasil, o crescimento foi de 0,6% no terceiro trimestre na comparação com o segundo, já livre de efeitos sazonais (anualizado em torno de 2,5%). A retomada foi bem mais lenta do que a antecipada. Esperava-se o dobro, 1,2% de expansão (em torno de 5%, anualizado). Desta vez a decepção não foi consequência da fraqueza da indústria, que cresceu 1,1% no trimestre, nem da agricultura, que avançou 2,5%, mostrando recuperação. Foi o setor de serviços que decepcionou, pois simplesmente não cresceu.

A falta de crescimento do setor de serviços não era esperada. Os setores de transporte e de intermediação financeira recuaram e os serviços de administração, saúde e educação pública avançaram apenas 0,1%. O comércio, mesmo com o efeito positivo das vendas de veículos, cresceu somente 0,4%.

Ver o crescimento do PIB pela ótica dos gastos (consumo x investimento) pode ser mais elucidativo que pela divisão dos setores (indústria x serviços). O consumo parece não precisar de estímulos adicionais. O mercado de trabalho em condições favoráveis, a confiança em patamar elevado e os estímulos à compra de bens duráveis mantiveram o consumo em alta.

O foco de atenção deve ser o investimento, que decepcionou novamente. A queda acumulada nos últimos cinco trimestres alcançou 5,9%. Um recuo da taxa de investimento significa menor capacidade de crescer no futuro. É preciso reverter esse processo, dando condições e segurança para que ele seja retomado.

Com a decepção do terceiro trimestre e perspectivas de crescimento morno no quarto, o crescimento do ano de 2012 será mais baixo, ao redor de 1%. É um número bem modesto, principalmente após o PIB crescer apenas 2,7% em 2011. Normalmente, esperaríamos uma retomada após um ano fraco.

Como não está ocorrendo uma retomada no ritmo esperado, a confiança dos empresários sofre. O que há é uma desconfiança em relação ao futuro, o que enseja redução de investimentos. E isso pode impactar o crescimento de 2013, que deve ser retomado, mas apenas de forma moderada.

Como resultado, espera-se que mais estímulos sejam anunciados pelo governo, como mais desonerações, juros menores e câmbio mais depreciado (o mesmo arsenal deste ano aplicado em 2013). Esses estímulos podem até vir a contribuir para a retomada da economia, mas é fundamental diminuir as incertezas domésticas quanto ao futuro para potencializar os efeitos dos incentivos ao crescimento, especialmente quando o mundo continua incerto. A confiança no futuro, na estabilidade regulatória e um retorno adequado para projetos de longo prazo são fatores fundamentais para o crescimento sustentado da economia.

Fonte: O Estado de S.Paulo - 04/12/2012