"Não falta dinheiro no Brasil. O que falta é planejamento"
Como diretor-geral da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), o economista paulista Hélcio Tokeshi passa seus dias elaborando projetos que transformam a deficiente infraestrutura brasileira em boas oportunidades de investimento.
Por Denize BACOCCINA
Criada em 2009 por um grupo de oito grandes bancos comerciais (Banco do Brasil, Espírito Santo, Bradesco, Citibank, Itaú-BBA, Santander, HSBC e Votorantim ) e o BNDES, a EBP faz estudos que podem ou não ser aproveitados pelo governo em seus planos de concessão de serviços públicos e parcerias público-privadas. Tokeshi, graduado pela USP e com doutorado em Berkeley, na Califórnia, já foi diretor da consultoria McKinsey, economista do Banco Mundial e ocupou cargos no Ministério da Fazenda. Segundo ele, o País não precisa esperar o investidor externo para viabilizar seus projetos. "O Brasil tem a capacidade de gerar poupança doméstica para financiar a nossa infraestrutura", afirma. O que falta, diz, não é dinheiro nem projetos. "Falta planejamento." Função essa que, a seu ver, o governo não pode delegar.
DINHEIRO – A EBP foi criada por um grupo de oito bancos, além do BNDES, para elaborar projetos. Qual é o interesse dos acionistas?
HÉLCIO TOKESHI – Quando chegou à presidência do BNDES, Luciano Coutinho, conversando com presidentes de grandes bancos, percebeu que todos tinham o mesmo diagnóstico: a necessidade de melhorar a infraestrutura do País. Ao mesmo tempo, temos um governo com capacidade fiscal de fazer esses investimentos e, principalmente, muitos investidores privados querendo aplicar seus recursos no Brasil. Mas faltavam estudos técnicos, com bom embasamento, e uma divisão de riscos adequada entre setor público e setor privado que tornasse o projeto atraente e ao mesmo tempo financiável. O interesse dos acionistas da EBP é que o mercado de projetos estruturados em infraestrutura fique maior.
DINHEIRO – O sr. já disse que para cada projeto aceito pela EBP outros dez são recusados. Por quê?
TOKESHI – Muitas ideias propostas não se sustentam. Para dar certo, um projeto precisa estar inserido numa lógica de planejamento. É necessário que uma determinada estrada ou um determinado hospital ou uma rede de saneamento tenham demanda não apenas no momento da construção, mas também no médio e longo prazo.
DINHEIRO – Dos 12 estádios da Copa do Mundo de 2014, alguns têm demanda futura garantida, como o Maracanã e o Beira Rio, mas nem todos. O de Brasília, por exemplo, será, ao lado do Mineirão, o segundo maior do País, com capacidade para 70 mil espectadores – mas durante todo o ano o campeonato local reuniu um público de apenas 700 espectadores por partida. Qual é a sua avaliação?
TOKESHI – Eu sei que o estádio do Mineirão, para o qual nós fizemos a estruturação do projeto, tem demanda. Belo Horizonte tem três clubes, o Atlético, o Cruzeiro e o América – os dois primeiros estão entre as dez maiores bilheterias no Campeonato Brasileiro. O estádio fica na Pampulha, um bairro que tinha um déficit de serviços e, pelo projeto, haverá um centro comercial. Além disso, a área no entorno já era usada como centro de lazer. O estádio ficará pronto para a Copa e depois será readequado para o uso nos 25 anos da concessão.
DINHEIRO – E os outros?
TOKESHI – Não fiz os estudos dos outros, não posso falar.
DINHEIRO – O governo federal já disse que muitas vezes sobra dinheiro, por falta de projetos. Por que isso acontece?
TOKESHI – Fazer um projeto de saneamento, por exemplo, envolve todo um conhecimento superespecializado de engenharia, da geografia e topografia da região. Não faz sentido uma prefeitura ter uma equipe só para fazer isso. É muito melhor ter as empresas especializadas que vendem esses serviços. Mas a lei de licitações, feita para comprar produtos pelo menor preço, não é adequada quando é preciso focar na qualidade.
DINHEIRO – E qual é a solução para não se ter dinheiro parado por falta de projetos?
TOKESHI – O governo tem dificuldade em contratar um bom serviço técnico. Mas há algumas coisas que só o governo pode fazer. O governo tem de fazer o planejamento. Essa função é indelegável. O governo tem de ter bons técnicos para fazer um plano de médio e longo prazo com as diretrizes. Feito isso, há várias opções de contratação. Antes de faltar projeto, o que falta é planejamento. Precisamos planejar o longo prazo. Precisamos de mais empresas como a Empresa de Planejamento Energético (EPE), que faz o planejamento de energia para dez anos: por isso o setor tem uma carteira de projetos que vão saindo, conforme as diretrizes dadas pelo governo.
DINHEIRO – E isso falta em outros setores?
TOKESHI – Vamos ter de criar mecanismos parecidos para outras áreas. A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) é muito importante para criar uma visão de Estado sobre a infraestrutura. Infelizmente, o déficit em infraestrutura não é uma coisa que se acaba em um mandato. Nem é desejável construir de maneira impensada algo que vai durar décadas. É preciso um planejamento com uma visão de desenvolvimento de longo prazo. Um exemplo de onde isso já acontece é o plano diretor da cidade de São Paulo, que existe há várias décadas. Mesmo que haja discussões acaloradas sobre ele, ninguém considera fazer algo que contrarie totalmente esse plano.
DINHEIRO – Como está o interesse do mercado por projetos de infraestrutura no Brasil?
TOKESHI – De modo geral, há muito interesse. Existe a percepção de que o Brasil está numa trajetória de crescimento interessante, apesar dos pequenos soluços. Mas para tomar sua decisão o investidor olha cada projeto especificamente. Na divisão dos riscos, é preciso que o investidor privado fique com os riscos que ele consegue administrar, como os ganhos que podem ser obtidos com aumento da escala, ou algum tipo de inovação. E o governo tem que ficar com o risco regulatório, já que é ele quem define as regras. Risco bem alocado é uma oportunidade.
DINHEIRO – É verdade que sobra dinheiro e faltam projetos?
TOKESHI – O diagnóstico aparente é que falta projeto. Mas esse é apenas o problema imediato. O problema de fundo é falta de planejamento.
DINHEIRO – Tem dinheiro querendo vir para o Brasil?
TOKESHI – Tem dinheiro no Brasil querendo ser alocado. Temos boas oportunidades de investimento em infraestrutura a médio e longo prazo. Mais importante do que trazer dinheiro de fora é aumentar a poupança doméstica. Os fundos de PENSÃO já têm muitos recursos, que não encontram rentabilidade nos títulos do governo. É ruim essa impressão que nós precisamos do carimbo do investidor internacional para mostrar que o projeto é bom. O Brasil tem a capacidade de gerar poupança doméstica para financiar a nossa infraestrutura.
DINHEIRO – E falta o quê?
TOKESHI – Falta planejamento. Não no papel, mas como conclusão de uma discussão que foi feita com a sociedade e definiu as prioridades para o futuro. Cidades que se planejaram há muito tempo, como Curitiba, conseguiram crescer de forma mais organizada.
DINHEIRO – Que setores devem receber mais investimento nos próximos anos?
TOKESHI – Os que têm mais déficit: saneamento, logística e serviços sociais. Temos uma necessidade de atendimento em serviços como creches, hospitais e penitenciárias.
DINHEIRO – Falou-se muito, nos últimos meses, sobre o risco regulatório, a partir da intervenção maior do governo em vários setores. Qual foi a repercussão, entre os investidores estrangeiros, de medidas como a renovação das concessões de energia elétrica?
TOKESHI – Faz tempo que a EBP não faz projetos de energia. Os investidores têm um grau de especialização muito grande. Quem investe em estrada não está nem aí para o que aconteceu com a energia elétrica. Pode criar um pouco de ruído, mas as pessoas olham especificamente as condições de cada projeto.
DINHEIRO – A EBP fez o projeto para os aeroportos que estão sendo concedidos. Qual é o apetite dos investidores para os novos projetos?
TOKESHI – Muito grande. Existe uma conferência anual que reúne todo mundo que investe em aeroportos. No total, são 150 pessoas. Como na avaliação deles o primeiro leilão foi um sucesso, o interesse agora é grande.
DINHEIRO – Há muita gente reclamando que a taxa de retorno é muito baixa, inferior a 6%. O senhor acredita que, mesmo assim, haverá muita procura por esses novos projetos de aeroportos, portos e estradas que serão colocados no mercado neste ano?
TOKESHI – Depende. Existe uma taxa de retorno que é apenas um dos parâmetros para definir o preço, assim como a demanda, as condições de financiamento. Aí há uma segunda taxa de retorno que depende da estratégia de cada empresa. E a taxa efetiva depende de cada empresa, de como ela vai gerir o empreendimento e aproveitar as oportunidades de negócios no período da concessão.
DINHEIRO – As concessões que o governo está colocando no mercado são boas oportunidades de negócios?
TOKESHI – Isso nós vamos ver no leilão, dependendo da procura. Mas acreditamos que sim. Pelo menos nos projetos em a EBP está envolvida, que são os aeroportos e as rodovias.
DINHEIRO – A taxa de investimento em relação ao PIB está em apenas 18,7% e o governo diz que deve aumentar para cerca de 20% no próximo ano. Qual é a sua avaliação?
TOKESHI – É difícil de calcular. O volume de investimento do governo é significativo. Mas aumentar essa taxa depende também dos investimentos privados. O investimento não reage assim tão rápido. O volume previsto é significativo, mas alguns têm um longo prazo de maturação. A melhora na infraestrutura também atrai o investimento produtivo.
Fonte: Isto É Dinheiro - 12/01/2013