Demografia (II): mudança de perfil
Fabio Giambiagi
Dou continuidade à minha série de doze artigos acerca de algumas questões demográficas, com os quais pretendo passar para os leitores no ano de 2013 parte dos ensinamentos adquiridos no meu aprendizado da matéria ao longo de mais de 20 anos lidando com os assuntos de nossa Previdência Social.
Depois do artigo do mês passado, que tratou do caráter universal do envelhecimento demográfico em curso no mundo todo, o texto de hoje trata especificamente sobre o caso brasileiro e visa expor os traços gerais das mudanças demográficas recentes pelas quais o país passou e das perspectivas de evolução desse quadro nas próximas décadas.
A tabela apresenta as características gerais dessa transformação já em curso há vários anos. Ela mostra a decomposição percentual da população total do Brasil entre três grupos etários: o primeiro até 14 anos; o segundo dos 15 aos 59 anos; e o terceiro de indivíduos com 60 anos ou mais de idade. De um modo geral, tais grupos são tratados nas análises sócio-econômicas como sendo compostos por "crianças e adolescentes", "população ativa" e "idosos", respectivamente.
Em quatro décadas haverá velhinhos aos montes, enquanto que bebês serão uma categoria escassa
Observe-se que o grupo de 60 anos e mais, entre 1980 e 2050, terá multiplicado por 5 o seu peso relativo na população brasileira, passando de 6 % para 30 % da população total. Se partirmos de um momento mais recente e compararmos a relação de dependência entre a população com 60 anos ou mais e o grupo entre 15 e 59 anos, vamos ver que o primeiro grupo passará de 15 % em relação ao segundo em 2010, para impressionantes 52 % em 2050. Tenho dito em minhas palestras que, enquanto que nas últimas décadas no Brasil nos acostumamos a ver poucos idosos - em contraste, por exemplo, com o Japão - e muitos bebês nas ruas, daqui a quatro décadas haverá velhinhos como eu - se ainda estiver por aqui- aos montes, enquanto que bebês serão uma categoria "disputada a tapa", de tão escassos que serão na época.
Nesse contexto, certos fenômenos chamam a atenção. Destaco alguns deles:
? entre 1940 e 1980, a população total brasileira cresceu a uma taxa média anual de 2,7 %, taxa essa que entre 1980 e 2010 diminuiu para 1,6 % e que entre 2010 e 2030 - para não falar de um ano tão distante como 2050 - passará a ser de apenas 0,6 %;
? enquanto isso, o contingente de pessoas com 60 anos ou mais de idade, que entre 1980 e 2010 se expandiu a uma taxa de 3,3 % ao ano, irá acelerar esse ritmo para 3,8 % a.a. entre 2010 e 2030; e
? o número de pessoas com 60 anos e mais, que no Brasil em termos absolutos em 1980 era de pouco mais de 7 milhões e em 2010 ainda foi inferior a 20 milhões, irá aumentar até mais de 40 milhões em 2030 e quase 65 milhões em 2050.
Tem sido dito no Brasil, com uma elevada dose de otimismo, que nos próximos anos o país passaria pelo chamado "bônus demográfico", fase virtuosa durante a qual a proporção de população em idade ativa aumenta como fração da população total, ensejando condições para um aumento da produtividade por habitante. Isso em parte é verdade, como se nota na tabela, que indica que o grupo de 15 a 59 anos irá aumentar seu peso na população até 2020. Entretanto, há três coisas que devem ser levadas em consideração:
a) a maior parte desse bônus já foi experimentado, pois entre os anos de 1980 e 2010 tal grupo passou de 56 % para 64 % da população total do país, fenômeno muito mais relevante que o que deverá ser observado na margem nos próximos anos;
b) o fenômeno terá uma duração menos intensa do que por vezes se alega, uma vez que já na passagem de 2020 para 2030 deverá ser revertido; e, o que é mais importante,
c) embora para a economia como um todo de fato "crianças e adolescentes" e "idosos" constituam grupos que dependem de serem sustentados pela População Economicamente Ativa (PEA), do ponto de vista fiscal a composição entre crianças e adolescentes de um lado e idosos de outro faz toda a diferença, por uma razão simples: enquanto que os indivíduos que compõem o primeiro grupo são "pagos" pelas famílias (os pais), quem paga as aposentadorias e as pensões é o Tesouro.
Em outras palavras, o peso crescente das despesas previdenciárias no "bolo" do total do gasto é um fenômeno que já está se verificando e não irá esperar pelo fim do chamado "bônus demográfico". Concluo este artigo com a mesma reflexão do meu texto mensal anterior: cedo ou tarde, o Brasil terá que encarar esse desafio.
Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus)
Fonte: Valor Econômico - 13/02/2013