Encruzilhada

Este ano começou mal para a equipe econômica. Está es­premida entre combater a inflação em ascensão ou continuar estimulando a economia para escapar da semiestagnação nos dois últimos anos

Amir Khair

É uma nova encruzilhada. Há que decidir com firmeza e clareza a política a ser adotada. Não parece que isso esteja ocorrendo. A recente mudan­ça no câmbio, procurando segurar o real para não ultrapassar R$ 2, sinali­zou que o Banco Central (BC) não se encontra em condições de enfrentar a inflação com os instrumentos que já usou: Selic e medidas macroprudenciais.

Elevar a Selic não parece ser o ca­minho adequado em face dos reitera­dos comunicados do BC de que ela ficaria por longo tempo em 7,25%. En­trar novamente com medidas macroprudenciais para segurar o crédito, co­mo feito em 2011, também não parece ser o caminho, uma vez que o governo reiteradas vezes vem apelando aos ban­cos para elevar suas operações de empréstimos.

Sobrou o câmbio para controlar a infiação. Isso contraria a política de defesa da indústria contra a penetração do produto importado. A perplexidade com essa mudança na política cambial. foi geral, obrigando a novo contorcionismo de explicações do ministro da Fazenda e do presidente do BC. O pri­meiro, ao afirmar que a inflação se com­bate com a Selic (???), e o segundo a dizer que não está usando o câmbio pa­ra segurar a inflação e, se necessário, a Selic poderia ser elevada (???).

Isso desgasta o governo, aumenta o descrédito na equipe econômica e não resolve nada. É necessário ter clara e firme posição na condução da política econômica e, ante a ascensão natural da inflação no início de cada ano, o go­verno devia afirmar que: a) a inflação será crescente neste iní cio do ano;

b) ela está dentro das estimativas do governo e ficará dentro da meta;

c) o câmbio não será usado para com­bater a inflação, mas sim para não prejudicar mais ainda a competitividade das empresas;

d) a prioridade do governo é o cresci­mento econômico.

O desafio do governo não me parece ser o de combater a inflação. Já asfixiou o que pôde sua principal empresa, ex-pondo-a a vexames e críticas de toda sorte e errou novamente ao não corrigir adequadamente os preços dos combustíveis, mantendo a Petrobrás como principal biombo da inflação.

É chegada a hora de o governo partir com decisão no seu principal objetivo, que é tirar a economia da estagnação em que se encontra. Para isso, não há outro caminho senão aproveitar o po­tencial de consumo inexplorado.

Sim, consumo é a mola mestra do crescimento e é sua expansão que mobiliza o empresário a investir caso sua em­presa precise atender à demanda cres­cente sobre seu produto e a capacidade de produção se encontra no limite. É só aí que a empresa investe, pois, se não o fizer, perde mercado, deixa de faturar e vê o lucro cair.

Falar em investimento é falar em in­vestimento no setor privado (responsável por 80% do investimento total) e não em investimento do governo fede­ral (5% do investimento total). Além do mais, o investimento privado procura ser feito ao custo mais baixo e o público é, normalmente, feito com custos eleva­dos, especialmente em grandes obras, circunscritas a meia dúzia de grandes empreiteiras.

Mas, para deslanchar o consumo, é necessário remover seu freio: as taxas de juros do crédito. Atenção, não se tra­ta do juro da Selic, que algumas análises a confundem como sendo o juro da eco­nomia. Não é. O juro da economia é o da ponta do tomador. Vale sempre repetir isso. E esse juro se encontra elevado e, em elevação em várias modalidades, co­mo demonstrei em artigo anterior.

Não dá para crescer 4% com essa tra­va de juro elevada. A taxa de juro ao consumidor só há poucos meses ficou abaixo de 100%, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Ao final de 2012, estava em 89%.

O governo parecia que iria dobrar o sistema bancário privado por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, ao fazer essas instituições bai­xarem suas taxas de juros.

Mas, após pequena redução de juros, os maiores bancos privados voltaram nos últimos meses a elevar suas ta­xas. Veja tabela indicando a taxa de juro média anual cobrada pelos qua­tro maiores bancos privados (Itaú, Bradesco, Santander e HSBC).

Se o governo quiser mesmo reto­mar o crescimento perdido, deve, sem hesitação, baixar as taxas de ju­ros ao consumidor. Ao iniciar isso em abril de 2012, parece que ficou satisfeito com os resultados alcança­dos nos primeiros meses de campa­nha e, depois, se descuidou e as taxas voltaram a subir.

Insisto na via da remoção do freio ao consumo em vez do apelo ao in­vestimento privado. O empresário, como afirmei, é pragmático na deci­são de investir e, com capacidade ociosa, como muitos estão, não in­vestem. Pode apelar o governo quan­to quiser.

Os que acenam com o fantasma da inflação sabem que ela é sazonalmente maior no primeiro quadrimestre (cerca de 40% da inflação do ano) e, se o governo quiser combatê-la segu­rando a demanda, vai afundar ainda mais o parco crescimento da econo­mia. Essa via da encruzilhada deve ser sumariamente descartada.

De outro lado, de pouco adiantará desonerar ainda mais as empresas na cota patronal com o chapéu da previdência Social e não à custa, co­mo deve, do Tesouro Nacional. Isso já está fazendo ressurgirem as análi­ses apocalípticas sobre o futuro da previdência Social.

Será que as empresas que foram desoneradas estão passando a econo­mia de tributos ao consumidor? Não creio. Talvez a melhor forma seja de­sonerar os produtos da cesta básica, anunciado pela presidente. Além de contribuir para a redução da infla­ção, vai permitir melhor consumo das camadas de menor renda.

Para ir adiante ante a encruzilhada (inflação ou crescimento), o gover­no deve escolher a via do crescimen­to, onde pode atuar e obter resulta­dos. Quanto à inflação, não se corre riscos de descontrole como atestam até as análises mais pessimistas.

Ademais, ao contrário de 2012, nes­te ano tudo indica que a boa safra agrícola pode contribuir para man­ter a inflação dentro da meta (2,5% a 6,5%). Vale acompanhar.

Fonte: O Estado de S.Paulo - 24/02/2013