Brechó de ideias
Brasil S/A :: Antônio Machado
Um dos problemas do governo, ao menos dos mais recorrentes, no afã de superar o crescimento econômico acanhado é não completar o que começou e a propensão a começar coisas novas, várias das quais não passam das mesmas ações inacabadas, apresentadas com outro verniz.
A novidade da vez, decorrente da constatação de que os projetos de infraestrutura lançados nos programas de concessão vão exigir muito mais do que o BNDES e outros bancos estatais podem prover (cerca de R$ 470 bilhões, ou 10,7% do PIB) mesmo com o reforço do Tesouro – o que também é notícia velha –, é a criação de um fundo de liquidez para as emissões de debêntures pelas concessionárias privadas dos serviços públicos licitados. Legal, é uma medida de bom senso.
Ela envolve o desenvolvimento de um mercado secundário de títulos de dívida privada. Sua inexistência se explica pelo desinteresse de instâncias do próprio governo, como o Tesouro (para manter mercado cativo para os papéis da dívida pública), o Banco Central (que se poupa de acompanhar os riscos sistêmicos, maiores em operações de longo prazo) e a Receita Federal (avessa a discutir a incidência do Imposto de Renda em aplicações financeiras). Tem mais obstáculos.
O IR compõe com o IPI a cota de repasses constitucionais a estados e municípios. Foi grande a reclamação quando o governo abateu o IPI para incentivar o consumo no ano passado. Supõe-se que a gritaria dos governadores e prefeitos será ensurdecedora, caso se mexa com o IR, o tributo de maior arrecadação no país, sem compensações.
Até agora tem sido assim, num consórcio de má vontade que inclui a banca comercial. É mais rentável, cômodo e menos arriscado operar com o crédito de curto prazo, especialidade do sistema financeiro brasileiro, que com o financiamento de longo prazo, o que implica, entre outras necessidades, captar recursos com duração compatível e montar estruturas dispendiosas de análise de risco setorial.
A legião de críticos do gigantismo do BNDES omite tais facetas do crédito no Brasil, mas também os seus defensores, segundo os quais o dinheiro voluntário não estaria predisposto a bancar os negócios de maior maturação, como hidrelétrica, rodovia e saneamento.
Modelo tentado desde JK
Na Europa, no entanto, são bancos como Itaú e Banco do Brasil que apoiam tais operações. Nos EUA, os bônus privados e ações dominam o mercado de financiamentos de longo prazo. Aqui, a ideia desde a era JK, passando pelo regime militar, sempre foi a de um modelo misto, que conciliasse o viés dirigista de uma economia historicamente com forte presença estatal (para viabilizar projetos com retorno social maior que o de mercado, incentivados em geral com subsidio de juro) com a liberdade de ação das empresas privadas. Nunca funcionou. O governo Dilma Rousseff retoma a ideia do financiamento de longo prazo custeado por fundos voluntários para suplementar o papel do BNDES (ou, na origem de parte de seu funding, do Tesouro Nacional, que "fabrica" dinheiro emitindo dívida) de principal banqueiro das novas concessionárias de ativos de infraestrutura.
Trama contra debêntures
Dois dos impedimentos que fizeram fracassar a iniciativa em outros governos não mais se põem: inflação descontrolada e taxa básica de juro em níveis próximos ou maiores que a taxa interna de retorno de negócios empresariais. Falta o capital dos investidores, atrás dos quais o governo despachou funcionários de alto escalão a Nova York e a Londres para apresentar as oportunidades das concessões. Por sua vez, os investidores alegam que o modelo está incompleto. Sem equalizar, mesmo que parcialmente, a tributação dos papéis do Tesouro e de dívida privada, a emissão de debêntures vai continuar limitada ao que fundos de pensão e seguradoras – os investidores típicos de longo prazo –, conseguem absorver. Isso é pouco para os volumes requeridos pela atualização e ampliação da infraestrutura. Outra demanda do investidor se relaciona à liquidez do papel.
Vítima da rotina maçante
Hoje, quem investe em títulos de dívida privada de longo prazo se obriga a mantê-los em carteira, mesmo que necessite de liquidez, já que não há um mercado secundário transparente, em que vendedores e compradores interajam, formando preços para os diversos prazos das emissões, tal como há para os papéis do Tesouro e na BM&Fbovespa. É exatamente o que o BNDES fez em baixa escala em 2011: um fundo de liquidez. Convidados, os grandes bancos privados e estatais não se interessaram. O BNDES saiu sozinho, mas a demanda foi tanta que o dinheiro logo acabou. O Bradesco garante liquidez limitada para debêntures de seu interesse. E é só. Em suma, não faltam propostas no brechó de ideias do governo. Falta executá-las, rotina maçante para a maioria dos políticos.
Fonte: Correio Braziliense - 28/02/2013