Problema na raiz
Amir Khair
O baixo crescimento econômico é o calcanhar de Aquiles do governo federal. Após crescer 7,5% em 2010, o Brasil cresceu 1,8% ao ano na primeira metade do governo Dilma.
Explicação muito difundida é que o País não deslancha, com a taxa de investimento de apenas 18% do PIB, quando deveria ser de 22% (?). Alguns já esticam para 25% (?).
Assim, a prioridade do governo para crescer 4% ao ano seria apostar todas as fichas no investimento e não no consumo, como foi a partir de meados de 2011, ocasião em que a política econômica mudou o enfoque para estimular a oferta, que não conseguia acompanhar a expansão do consumo.
As contas nacionais revelam que, nos últimos cinco anos, o consumo cresceu em média 4,4% por ano, a produção 1,8% e, a lacuna foi preenchida pela importação, que cresceu 9,8%.
As análises que pregam a mudança do enfoque de estímulo ao consumo para estímulo à oferta, defendem que o governo desonere a produção. E, para reduzir a inflação, eleve a Selic e gaste menos.
Creio que essas análises não vão iluminar saída para o crescimento econômico e, muito menos para a inflação. A razão é simples: a) para crescer é necessário que o consumo cresça e possa ser suprido principalmente pela oferta local; b) a desoneração esbarra no limite fiscal do governo; c) esse limite não será estendido enquanto não for reduzida sua despesa financeira.
Essa despesa só cairá o suficiente quando: a) for reduzida a Selic ao nível da inflação (como nos países emergentes) ; b) parar de se endividar para suprir recursos ao BNDES e para atender o Banco Central nas operações compromissadas (compra de dólares para crescer as reservas internacionais) e; c) o Banco Central parar de remunerar pela Selic (!) os saldos diários de caixa dos bancos.
A saída para crescer deve passar pelo fortalecimento das empresas e pela queda das taxas de juros bancárias. Sobre taxas de juros, os dois últimos artigos mostraram que os grandes bancos privados, após ligeira queda, voltaram a subir até acima dos níveis que a presidente considerou sem justificativa técnica (abril de 2012).
Fortalecimento das empresas. O fortalecimento das empresas pode ocorrer pela: a) desoneração do PIS, Cofins e IPI; b) adequação do câmbio ao nível que conduza ao equilíbrio das contas externas e; c) redução dos preços dos principais insumos que se situam na base das cadeias produtivas.
A desoneração da folha de pagamento está criando distorções econômicas fazendo com que as grandes empresas paguem menos que as micro e pequenas, que usam o Simples nacional. Além disso, está lesando a Previdência Social, como apontado inúmeras vezes em meus artigos, ao reduzir sua arrecadação sem a devida compensação pelo Tesouro Nacional, como estipula a lei.
A redução/eliminação do PIS, Cofins e IPI reduz proporcionalmente o preço dos produtos, funcionando como aliado no combate à inflação. A eliminação de todos os tributos que incidem sobre os componentes da cesta básica é medida correta ao ampliar o poder de consumo das camadas de renda média e baixa, ao mesmo tempo que pode reduzir em 0,6 ponto percentual o IPCA, segundo estimativa do governo.
À exceção da energia, governo não tem coragem para intervir nos preços dos insumos.
Câmbio. Em valores atuais, com base no IPCA, o câmbio médio que permitiu o equilíbrio nas contas externas, ocorrido de 2003 a 2007, foi de R$ 3,80. O afastamento desse nível foi reduzindo a balança comercial (exportação menos importação), que acabou por tornar deficitária a conta externa do País.
Por aí se vê que está longe de devolver às empresas o poder competitivo que possuíam há anos atrás. Portanto, não procede o argumento de que as empresas não se modernizaram por sua própria culpa. Fatq é que, face à crise externa, estão tendo que atravessar uma fase hostil, onde os preços internacionais estão mais competitivos face à: a) super oferta existente e; b) política de depreciação do câmbio nos Estados Unidos, Europa, Japão e China.
A depreciação do real poderá causar alguma inflação, mas não tão significativa quanto parece à primeira vista. É bom lembrar que, em 2011, o dólar girou em R$ 1,60 e, no final de 2012, R$ 2,10, desvalorizando 31% no período, sendo que a inflação passou de 6,5% em 2011 para 5,8% em 2012. Isso aponta para testar o câmbio a R$ 2,50 gradualmente, via ampliação da liquidez.
Cadeia produtiva. O governo, visando proteger a indústria nacional, elevou no final do ano passado as alíquotas de importação de bens que se situavam no início ou quase no começo de cadeias produtivas. Gomo resultado, as empresas beneficiadas remarcaram os preços, gerando inflação e obrigando o governo a dar marcha a ré.
Para crescer de forma competitiva e combater a inflação, além das desonerações e adequação cambial, é preciso reduzir os custos dos principais insumos da economia que estão contaminando a cadeia produtiva. É o caso de minério de ferro, cimento, nafta petroquímica, entre outros. Esses insumos estão para a economia como a raiz está para a planta. Insumos bons, economia boa.
Parece que o governo, salve a redução do custo da energia elétrica, não se sente com a coragem suficiente para intervir nos formadores de preços desses insumos. Ao mexer na energia elétrica teve que enfrentar forte resistência das empresas, que se sentiram prejudicadas. Os governadores reclamaram porque iriam perder arrecadação e rechaçaram o pedido da presidente para reduzir a pesada alíquota do ICMS, que tanto onera o custo da energia.
A intervenção do governo para regular esses preços é fundamental para o controle eficaz da inflação e para melhorar a competitividade das empresas. Em alguns casos de monopólio ou oligopólio, o que regula o preço é a oferta externa e, assim, o governo não precisa intervir. Mas, tem casos em que o frete é decisivo no preço e, mesmo com taxa de importação baixa, o produto importado fica mais caro. É o caso do cimento, por exemplo.
Para reduzir os preços na base da cadeia deve-se: a) desonerá-los totalmente do PIS, Cofins e IPI; b) reduzir o imposto de importação do similar tendendo-o a zero; c) exigir prioridade ao abastecimento interno através da relação entre quantidade exportada e faturada internamente; d) no limite, usar o imposto de exportação no caso de abuso no preço interno.
Conjugando desoneração, câmbio e preço controlado do insumo, que se situa no início da cadeia produtiva, restauram-se as condições necessárias à competitividade das empresas, com a conseqüente ampliação da oferta interna, maiores chances de disputa externa e redução de preços ao longo da cadeia, contribuindo para o controle da inflação e, induzindo de forma natural a retomada do investimento das empresas.
Resta ver se o governo, à semelhança com que enfrentou e conseguiu reduzir o elevado custo da energia elétrica, faça o mesmo nos demais insumos que estão na raiz das cadeias produtivas. Eis um bom desafio!
Fonte: O Estado de S.Paulo - 10/03/2013