Heterodoxos e liberais sobem no palanque
Fernanda Nunes Fernando Dantas / rio
A antecipação da campanha presidencial - que já está na rua com os pré-candidatos assumidos Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), assim como a presidente Dilma Rousseff- adiantou também o debate sobre o modelo econômico a ser adotado pelo próximo governo. Opositores políticos e teóricos acusam Dilma de ter perdido a mão em nome da ideologia, sob o argumento de que a presidente já não tem o controle sobre os preços e a atividade produtiva.
O debate não é novo no cenário econômico e político no Brasil. Desenvolvimentistas e neoliberais se enfrentam, de fato, desde os primórdios da industrialização, nos anos 30. Mas há tempos a discussão não ganhava contornos tão acalorados. Do lado do governo, estão os heterodoxos da Universidade de Campinas e da UFRJ; do outro, apoiando Aécio, os economistas neoliberais e ortodoxos da PUC-Rio, articulados no Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (Iepe/CdG).
Já Campos, ele próprio um economista pela Universidade Federal de Pernambuco, começou seguindo a cartilha do presidente Lula - de investimento regional em infraestrutura e aumento da renda por meio de programas sociais mas, desde que assumiu a posição de presidenciável, aproxima-se cacte vez mais da Casa das Garças. "É hora de uma grave e importante aposta no crescimento, e para fazer isso é preciso garantir as regras para a iniciativa privada", afirmou em entrevista ao Estado em dezembro, revelando a sua proposta de antídoto às enfermidades experimentadas por Dilma.
Na tentativa de apartar-se do debate político, o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, que inaugurou a escola neoliberal no País, acrescentou à sua perspectiva uma preocupação social, e se posiciona, atualmente, entre uma e outra corrente. O Ibre claramente foge da polarização política e busca dialogar - ainda que indiretamente - com o governo. Além disso, principalmente pelo esforço do seu diretor, Luiz Guilherme Schymura, quer definir melhor e delimitar o papel do economista na formulação de políticas públicas.
"Salvar um grupo de costureiras no Amapá pode levar à redução do crescimento econômico, mas por que o foco tèm de ser o crescimento econômico e não atender as costureiras do Amapá ou uma tribo de índios no Tapajós?", pergunta Schymura. Para ele, esse é o tipo de decisão que compete a políticos, e não a economistas.
As diferenças entre as ideologias das escolas desenvolvimentistas, do governo, e neoliberal, da oposição, são de base econômica, mas também partidárias. Em uma primeira análise, envolve divergências sobre o uso de empresas estatais como ferramenta de política econômica e também sobre a obediência a variáveis macroeconômicas canônicas, que dizem respeito ao cumprimento das metas de inflação e superávit primário e ao câmbio flutuante. Mas uma avaliação mais atenta revela embates sobre a influência do governo e do Estado na economia.
Inclinação. Professores da Unicamp e da UFRJ participaram da fundação do Partido dos Trabalhadores. E a Casa das Garças é um "think thank" de nítida inclinação tucana, embora sem filiação partidária oficial, e sem que necessariamente todos os seus associados tenham ligações com o PSDB.
A própria presidente Dilma frequentou a Universidade de Campinas, que cedeu ao governo algumas das suas cabeças. São reconhecidamente militantes da escola heterodoxa o secretário-geral do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, braço direito do ministro Guido Mantega; e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular aposentado da Unicamp, é assíduo no Planalto. E, da UFRJ, saiu Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), assim como o vice-presidente da casa, João Carlos Ferraz, e o consultor da presidência do banco, David Kupfer.
Em campo oposto, Edmar Bacha, um dos "pais" do Plano Real e um dos diretores da Casa das Garças, ocupou diversas posições no governo de Fernando Henrique Cardoso e é hoje um dos mais prestigiados críticos do governo petista. Ele já está colaborando com Aécio. "Existe toda uma discussão sobre a bagunça que eles fizeram na política macroeconômica, mas eu estou mais preocupado com questões de crescimento", diz Bacha. A sua principal crítica é em relação à política industrial: "Aí, estamos andando para trás".
Para o professor titular da Unicamp Fernando Nogueira da Costa, vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Lula, o foco não é exatamente o desenvolvimento, mas a desigualdade. "A diferença entre heterodoxos e ortodoxos é o quanto cada um deles está disposto a fazer de concessão em nome da solução da desigualdade. Um estadista não pode perder a visão de longo prazo", ataca.
A principal defesa dos teóricos de orientação heterodoxa e petista é por uma leitura singular da economia brasileira. "O mercado é míope, só vê o curto prazo. E punitivo, não entende o que é o capitalismo brasileiro", afirmou Costa. As origens dessa escola estão no desenvolvimentisfno"de Celso Furtado, que revisitado virou o que o professor da
Unicamp classifica como neocorporativismo.
Nesse caso, a ênfase é 1no capital proveniente do trabalho, principalmente, por meio dos fundos de pensão de estatais - Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobrás), Funcef (GEF), Fundação Cesp e Valia (Vale). Foi com o apoio da Petros e da Previ, por exemplo, que o governo tirou Roger Agnelli da presidência da Vale - o executivo vinha adotando uma posição contrária aos interesses do governo, defendendo, por exemplo, corte de pessoal, em meio à crise econômica internacional. Os fundos participam do controle da mineradora e têm poder de veto no Conselho de Administração da empresa.
Mas o sucesso da política "neocorporativista", defendida pela Unicamp, não é um consenso. A perspectiva de Márcio Garcia, professor da PUC-Rio (no momento, professor visitante da Sloan School, no Massachusetts Institute of Technology, MIT, nos EUA), é que os economistas de Dilma aestão dilapidando a credibilidade construída com muito suor desde o Plano Real".
Fonte: O Estado de S.Paulo - 07/04/2013