Mulheres previdentes
Por Karla Spotorno | De São Paulo
Desde os anos 90, a corretora Maísa Serra fala sobre previdência privada com as mulheres. Naquela época, o objetivo de explicar os detalhes desse tipo de investimento não era, propriamente, vender o produto para o público feminino. O que ela pretendia era convencer as esposas a apoiar seus maridos na contratação dos planos de previdência. "Quando comecei a trabalhar nessa área, há mais de 15 anos, eram os homens que contratavam esse tipo de produto. Hoje, mais de 40% das minhas vendas são para mulheres", afirma a especialista em seguros de vida e previdência.
A experiência da corretora reflete a evolução do setor. Atualmente, 42% dos planos pertencem a mulheres, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). "Estimamos que elas serão maioria tanto em quantidade de participantes quanto em reservas acumuladas dentro de três anos", afirma Osvaldo do Nascimento, presidente da FenaPrevi. Ele fala com a percepção de quem trabalhou por três décadas no Itaú Unibanco, instituição da qual se aposentou neste mês.
A federação começou a mapear a participação feminina no número de planos somente no ano passado, quando o setor encerrou com 11,8 milhões de contratos ativos. Apesar disso, o crescimento das mulheres maior que o dos homens nesse mercado pode ser visto nas estatísticas das seguradoras. Na Brasilprev, por exemplo, elas detinham 33% dos planos em 1995 e, em 2012, a fatia passou a 44%. "Esse crescimento de 11 pontos percentuais é resultado do aumento do público feminino nas vendas novas, resultado da maior participação delas no mercado de trabalho", diz Sandro Bonfim da Costa, gerente de inteligência de negócios da companhia.
A representatividade das mulheres na previdência privada é um fato interessante que reflete a evolução do mercado de trabalho e das famílias brasileiras. No Brasil dos anos 60, quando surgiram os primeiros planos com benefício definido, a mulher era computada pelas seguradoras como uma mera beneficiária. Era ela quem recebia a pensão deixada pelo marido. "Naquela primeira fase, o plano era normalmente contratado somente pelo cabeça da família, que era o homem", diz Nascimento, da FenaPrevi. Aos poucos, esse arranjo social foi se alterando. Ao longo dos anos, começou a ganhar importância o número de mulheres chefes de família. Em 1992, 21,93% dos lares brasileiros eram chefiados por elas. Naquele mesmo ano, elas ocupavam 38,79% dos postos de trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2011, o total de domicílios chefiados por elas quase dobrou, chegando a 37,45%, e as trabalhadoras passaram a ocupar 42,16% das vagas, segundo os dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE.
Quem trabalha no setor de previdência privada identifica algumas características peculiares da clientela feminina. Uma delas é a maior propensão a permanecer mais tempo no plano sem efetuar resgates. "Para a mulher, o dinheiro da previdência é sagrado. Ela não mexe. Para o homem, não é bem assim. Ele resgata assim que percebe uma oportunidade de negócio ou imprevisto", diz a corretora Maísa, que viu crescer o índice de permanência junto com o aumento de mulheres em sua carteira de clientes. O maior compromisso das investidoras com objetivos de longo prazo pode ser observado nos números das companhias. Em 2012, a Brasilprev registrou um volume de resgates de 7,1% do público feminino e de 9,6% do masculino.
Outra peculiaridade feminina, segundo Costa, da Brasilprev, e também segundo Roberto Lago, diretor técnico da Mapfre Previdência, é a maior adesão aos planos para crianças. "Ao passo que tem uma remuneração mais importante para o orçamento da família, a mulher tende a se preocupar mais com o que vai acontecer caso ela falte. Em razão disso, acaba optando por um produto com proteção familiar, como é o caso do plano de previdência para menores de idade", diz Lago. Esse tipo de produto é uma combinação de um seguro de vida com um plano de acumulação e rentabilidade dos recursos. "A mulher se preocupa muito com o futuro dos filhos. Quer que eles façam faculdade e tenham uma vida tranquila", diz Costa, da Brasilprev, na qual 52% dos planos de previdência para menores de idade foram contratados por mulheres no segmento de renda mensal de até R$ 4 mil.
Lago, da Mapfre, percebe outra característica feminina na base de dados da companhia: elas começam a poupar mais cedo que eles. Na média, as mulheres contratam um plano com 32 anos. Os homens, com 34 anos. A arquiteta Adriane Lonrezoni Sesti começou a investir em previdência com pouco mais de 20 anos. Orientada desde criança a guardar dinheiro para a aposentadoria, a gaúcha percebeu que era mesmo essencial pensar no futuro distante assim que começou a trabalhar. "Sempre atuei como autônoma. Então, logo cedo, percebi que precisaria guardar dinheiro para momentos em que eu não pudesse trabalhar e para a velhice", diz. Aos 49 anos, Adriane possui dois planos para si, um para a filha, Clara, de 21 anos, e mais dois para os afilhados menores de idade. "Quando a minha filha nasceu, passei a fazer aportes maiores no meu plano. Penso na minha comodidade e também na dela, da minha família. Se eu precisar de cuidados médicos quando envelhecer, não quero imprimir esse ônus a eles", afirma Adriane.
A evolução dos aportes acompanha a melhora da renda dos participantes. Nesse sentido, é interessante notar que o poder de consumo da mulher aumentou mais fortemente que o dos homens. Entre 2004 e 2011, a renda real total delas cresceu 39,8%. A deles, 26%, segundo o IBGE. Na Icatu Seguros, o incremento das contribuições esporádicas das mulheres surpreendeu os executivos no ano passado. O valor cresceu 95%. Segundo Aura Rebelo, diretora de produtos e marketing da seguradora, as pessoas entendem que estão vivendo mais e poupam mais. "Também vivem melhor. Os 60 anos hoje correspondem aos 40 e poucos do século passado", diz.
Apesar das mudanças relevantes da participação das mulheres no mercado de previdência, o perfil feminino para investir continua o mesmo. Na média, elas são mais conservadoras do que os homens, segundo as seguradoras. Esse é o perfil de Angela Becker, empresária de Porto Alegre. Ela prefere os fundos de renda fixa aos compostos com renda variável. Conservadora não significa inerte, entretanto. Angela diz que fica atenta às mudanças de cenário macroeconômico e que conversa frequentemente com a sua consultora. "Há poucas semanas, migrei os recursos de um fundo que tinha perspectivas ruins, via portabilidade, sem custo nenhum", afirma a empresária de 45 anos.
A postura consciente e protagonista em relação aos investimentos é crucial, na opinião de Angélica Rodrigues Santos, co-autora do livro "Família, Afeto e Finanças". A psicóloga salienta o risco de as mulheres investirem em previdência privada persuadidas pelo apelo emocional de cuidar dos filhos e do futuro. "Muitas mulheres acabam aderindo pelo efeito manada, por verem outras contratando. Mas não por informação. Contratam o plano sem questionar os custos e a rentabilidade do produto", diz. No caso da previdência privada, a participante precisa avaliar a consistência do desempenho dos fundos ano a ano por um período de, pelo menos, cinco anos. Também devem questionar as taxas de administração, de carregamento e de saída, além do pagamento de juros pela seguradora no período da conversão dos recursos acumulados em renda vitalícia. Para Angélica, é fundamental comparar o produto com outras aplicações. "O ideal é montar uma carteira de investimentos", diz.
Fonte: Valor Econômico - 23/04/2013