Brasil está melhor posicionado para enfrentar era anticarbono
Por Karla Spotorno | De São Paulo
Os investidores em empresas de combustíveis fósseis correm risco de tomar um prejuízo dentro de poucos anos. Um estudo global mostra que a maior parte das reservas de petróleo, gás natural e carvão mineral no mundo não poderá ser consumida caso os governos criem restrições para controlar o aquecimento global. Se isso ocorrer, essas companhias tendem a ficar com o que os especialistas no mundo e no mercado financeiro chamam de "ativos encalhados".
São centenas de milhares de dólares em reservas minerais que permanecerão enterradas se os países levarem a sério o acordo estabelecido em 2010, durante a 16ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), e reforçarem o compromisso de restringir o aquecimento do mundo em dois graus Celsius. O novo tratado global será discutido em menos de dois anos. Nele, serão estipulados os "orçamentos de carbono", ou seja, quanto cada nação poderá emitir em gases de efeito estufa a partir de 2020.
Para o Brasil, o estudo, desenvolvido pela Carbon Tracker, um "think tank" baseado no Reino Unido, traz uma boa notícia. As empresas brasileiras estariam mais bem posicionadas para suportar essa futura legislação. A conclusão faz parte do relatório intitulado "Carbono Intocável: A bolha de carbono vai pegar o Brasil?", ao qual o Valor teve acesso. A pesquisa foi elaborada pela Carbon Tracker em parceria com a consultoria brasileira Sitawi, do Rio de Janeiro. O estudo será lançado hoje em São Paulo, em um evento organizado pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), e amanhã no Rio de Janeiro.
Segundo Gustavo Pimentel, sócio da Sitawi, consultoria especializada em finanças e sustentabilidade, o Brasil está bem posicionado por alguns motivos. O primeiro é a diversificação da matriz energética. Em 2012, aproximadamente 46% da energia consumida no país veio de fontes renováveis. Em 2021, o percentual deverá ser ainda maior, de 67%. "O forte potencial e a capacidade de produção em fontes renováveis do Brasil mostra que o país ainda não é extremamente dependente dos combustíveis fósseis e tem oportunidades de liderar um crescimento econômico de baixo carbono", diz o relatório.
O segundo motivo compreende o fato de o país ter um potencial de produção muito superior ao consumo interno, depois da descoberta do pré-sal. Ou seja, o futuro desempenho das companhias no Brasil não depende exclusivamente do consumo da população e das empresas brasileiras e do "orçamento de carbono" que vier a receber. Depende também da exportação desses combustíveis.
"Aqui, a dúvida que tínhamos é se o país teria capacidade para gastar o orçamento de carbono dos outros países", afirma Pimentel. A princípio, a resposta é sim. "O que percebemos olhando a curva de custos dos novos projetos é que uma boa parte das reservas brasileiras poderá ser exportada", diz o consultor.
No relatório brasileiro, a consultoria analisou a situação de algumas empresas listadas na BM&FBovespa, no que se refere ao tamanho das reservas e ao mercado consumidor em potencial. A mais relevante foi a Petrobras, porque a companhia possui quase "um monopólio (...), com 96% do total de reservas provadas de óleo e 72% das de gás", segundo o estudo. "A não ser que o Brasil se torne uma economia baseada na produção de petróleo, dobrando seu consumo nos próximos cinco anos, a estratégia [da Petrobras de investir US$ 237 bilhões nos próximos cinco anos] é claramente voltada para a exportação", diz o estudo.
Olhando o mercado externo, a empresa demonstra competitividade. Segundo uma pesquisa da Citi Research citada no relatório, as reservas do pré-sal estão com um custo de produção adequado e, portanto, apresentam um "baixo risco de se tornarem encalhadas".
O relatório traz uma conclusão semelhante quanto à situação de empresas produtoras de carvão. Diz que as companhias listadas na bolsa brasileira só têm exposição ao carvão em mercados internacionais. Desta forma, não dependem do orçamento de carbono para o Brasil a ser negociado entre as nações. "A Vale possui reservas na Austrália e em Moçambique (...), e 31% do total de reservas das empresas brasileiras listadas em bolsa. A CCX [que tem as reservas na Colômbia] possui a maior participação, representando 69% do total de reservas de carvão", revela o relatório.
Para os investidores, a Carbon Tracker elaborou algumas recomendações. Apesar de, à primeira vista, parecerem óbvias, é provável que a maioria dos investidores ainda não tenha essa agenda. Um dos pontos diz respeito a questionar se os gestores de seus fundos de investimento, de previdência ou de pensão consideram o risco climático na seleção de ativos, "incluindo estratégias para lidar com os "ativos encalhados"". Isso pode se dar a partir da análise de como as ações das diferentes empresas devem se comportar no futuro cenário de restrição de uso de combustíveis fósseis.
Fonte: Valor Econômico - 19/06/2013