Governo abandona reforma da Previdência

Sem apoio do Congresso e com medo dos protestos de rua, o Planalto desistiu de implementar a idade mínima para aposentadoria e de limitar os auxílios-doença e as pensões

Governo abandona a reforma da Previdência

Ministro Garibadi Alves revela que protestos nas ruas e falta de apoio do Congresso motivaram a decisão de enterrar a proposta que impunha idade mínima para a aposentadoria. Rombo nas contas do INSS aumentou 23% no primeiro semestre do ano

ANTONIO TEMÓTEO
» SÍLVIO RIBAS

A instabilidade política criada pelas gigantescas manifestações populares desde o mês passado e a rejeição de partidos da base aliada levaram o governo a enterrar o projeto de reforma da Previdência Social. O Palácio do Planalto entendeu que, mesmo sendo necessárias, as mudanças na lei para impor uma idade mínima às aposentadorias e conter a farra das pensões e dos auxílios-doença não encontrariam apoio no Congresso. As vozes contrárias poderiam acusar a presidente Dilma Rousseff de estar propondo o fim de benefícios sociais. “Temos que admitir: é muito difícil discutir reforma da previdência neste momento”, resumiu ao Correio o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho.

Se, por um lado, a decisão do governo — que vê sua popularidade derreter — poupou o Planalto de mais desgastes político, de outro, incentivou o aumento do rombo no caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com 30,5 milhões de pessoas atendidas, entre pensões e aposentadorias, a Previdência acumulou, no primeiro semestre do ano, deficit de R$ 27,3 bilhões, valor 23% maior que o registrado em igual período de 2012. Em junho, especificamente, o buraco chegou a R$ 3,2 bilhões, superando em 7,8% o resultado do mesmo mês do ano passado.

Na avaliação de Garibaldi, a única coisa positiva nesse contexto foi impedir o avanço da proposta que acaba com o fator previdenciário. Ele ressaltou que, na última oportunidade que o governo teve para propor a reforma, o fator foi o principal obstáculo à tramitação de um projeto no Legislativo, colocado até mesmo por líderes da base aliada. Pelas suas contas, a eventual extinção do mecanismo adotado em 1999 para conter aposentadorias precoces, sem compensações, representaria uma conta extra de R$ 2 trilhões aos cofres públicos até 2050. Isso sem contar com eventos inesperados, como as decisões judiciais contra a Previdência, inclusive com efeitos retroativos, os chamados “esqueletos no armário”.

O ministro ressaltou que, somente no ano passado, a economia gerada em razão do fator foi de R$ 11 bilhões. “A derrubada desse instrumento, levaria ao aumento progressivo das despesas, à medida que chegarem novos beneficiários”, disse. Sem uma idade mínima para as aposentadorias (a ideia era 65 anos para os homens e 60 para as mulheres), restará ao governo adotar alternativas como a Fórmula 85/95, que soma a idade do segurado ao tempo de contribuição — 85 para mulheres e 95 para homens.

Desequilíbrios
Diante de tantas ameaças à saúde do INSS, seja no Parlamento, seja em processos sob análise da Justiça, o ministro comemora o fato de o governo ter “desarmado pelo menos uma bomba relógio”, representada pela previdência dos servidores federais. Em 2012, o Tesouro desembolsou mais de R$ 57 bilhões para cobrir o rombo no fundo que custeia as aposentadorias e pensões do setor público.

“Apesar disso, nossa agenda atual parece estar na contramão da história e do resto do mundo, incluindo não só a possibilidade do fim do fator, mas outras medidas, como a desaposentadoria”, lamentou, lembrando que a idade média da população brasileira começa a aumentar. Sendo assim, destacou Garibaldi, chega-se a uma conclusão óbvia. “Fazer conta é fácil, difícil é pagar a conta, que acaba sempre sobrando para o Estado.”

Segundo o ministro, a alteração do perfil demográfico do país só terá reflexos mais expressivos nas contas previdenciárias nos anos de 2030, mas é importante equacionar os problemas hoje para administrar seus efeitos a longo prazo. “Essa é uma das razões para que a sugestão de métodos que evitem desequilíbrios futuros, com efeitos gradativos, seja politicamente difícil de avançar no Congresso”, avaliou.

A única chance de medidas de contenção de gastos serem aprovadas, ressaltou o ministro, é se elas se tornarem bandeiras dos protestos de rua. Neste sentido, Garibaldi considera válido o chavão de que reformas estruturais ou “medidas de fundo, complexas e de alto alcance” têm de ser feitas no começo do governo, quando o eleito desfruta de grande popularidade para queimar. A expectativa é de que o futuro presidente, seja Dilma Rousseff ou não, encare o desafio de conter o escoadouro de dinheiro público. Os auxílio-doença, por exemplo, já consumiram R$ 10,5 bilhões entre janeiro e julho deste ano, mais do que os R$ 7 bilhões de todo 2003. Já as pensões por morte custaram R$ 40,4 bilhões nos sete primeiros meses de 2013, quase o dobro dos R$ 25 bilhões de 11 anos atrás.

O ministro prefere não comentar críticas de parlamentares oposicionistas e aliados sobre uma falta de articulação política em torno de temas estratégicos para o governo. “Se eu ainda estivesse no Senado, teria uma opinião melhor. No cargo que ocupo, não queria ser deselegante para comentar a atuação de algum colega”, sublinhou.

Recessão
As desonerações na folha de pagamento de vários setores empresariais são consideradas por Garibaldi como o “menor dos impactos” possíveis no caixa do INSS, por serem equacionadas pelo Tesouro. No recente corte de R$ 10 bilhões do Orçamento, o governo limou R$ 4,4 bilhões das compensações previstas à Previdência. Em relação à perspectiva de queda no ritmo de contratações formais no mercado de trabalho, ele não acredita que isso possa representar perdas de receita à Previdência. “A menos que houvesse uma recessão, descartada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda), o número de pessoas empregadas deverá se manter estável ou crescer moderadamente”, observou.

Sobre os esforços da sua pasta na direção do aperfeiçoamento na metodologia de concessão de benefícios e pensões, para evitar fraudes e distorções, o ministro admitiu que encomendou estudos para promover mudanças nos sistema. “Mas esse trabalho não foi muito adiante, até porque não há hoje um clima mais sereno para tratar desses assuntos”, ponderou ele, queixando-se de ter seu nome recentemente associado ao uso indevido de aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB).

Fonte: Correio Braziliense - 26/07/2013