Bem-vinda, quarta idade

Os passeios, como nos EUA e na Europa, não seriam possíveis, conta, sem o planejamento financeiro passado

Valor Econômico – 21/10/2013

Por Luciana Seabra | De São Paulo

Assim que surgiram os primeiros planos de previdência, José Ferreira de Camargo, 78 anos, contratou um para ele e outro para a esposa Ermelinda, 76. Ele, ex-diretor de banco, e ela, dona de casa, curtem a aposentadoria há 22 dos 57 anos que já passaram juntos. "Gosto muito de viajar", diz Camargo. Os passeios, como nos EUA e na Europa, não seriam possíveis, conta, sem o planejamento financeiro passado. Quando é necessário, Camargo ainda auxilia as gerações seguintes - cinco filhos e cinco netos - com as finanças. "Não gostaria de ter que ser ajudado", afirma.

Além da previdência, Camargo investe em ações. "Há 50 anos", diz, orgulhoso. Dentre as maiores presenças no portfólio, ele cita Bradesco, Vale e Petrobras. E confessa que anda decepcionado com o desempenho da petroleira. "Era uma das maiores empresas do mundo", lamenta. Ainda assim, não quis vender os papéis. "Uma das coisas que tenho comigo é não esquentar. Se cair, um dia vai subir", diz Camargo. "E se subir, um dia vai cair também, viu?", complementa rapidamente com a sabedoria de meio século de bolsa.

Camargo faz parte de um pequeno grupo de apenas 85.619 pessoas com mais de 66 anos que investem na bolsa brasileira, segundo dados da BM&FBovespa referentes a setembro. Elas são somente 14,25% das pessoas físicas que investem em ações, mas respondem por 41,17% do total aplicado, ou R$ 46,47 bilhões.

José Ferreira e Ermelinda participaram do VIII Fórum da Longevidade, organizado pela Bradesco Seguros. Eles e outras dezenas de idosos acompanharam as palestras que dão conta de uma realidade que se impõe: o Brasil será feito cada vez mais de casais Camargo. Resta saber se eles vão estar tão preparados para conviver com a chegada da velhice.

Uma sociedade que ainda tropeça para lidar com a crescente terceira idade já precisa começar a olhar para a quarta idade - como os teóricos chamam a fase de quem ultrapassa os 80 anos. "Esse é o grupo que mais rapidamente cresce na população", alerta Linda Fried, vice-presidente sênior do Instituto de Medicina da Universidade de Columbia. Em 2050, estimou, 7% da população brasileira fará parte dessa faixa etária. "Parte da preparação para a quarta idade é investir na terceira idade", diz, ressaltando que é a partir da oitava década de vida que em geral surgem as maiores vulnerabilidades.

Com uma base pequena, o grupo dos mais de 80 cresceu 67% entre 2000 e 2010, ano do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de brasileiros com 60 anos ou mais cresceu 38,6%. No período, a população total do país avançou bem menos, 12,8%.

O país já tem 3,2 milhões de pessoas com 80 anos ou mais, segundo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade do Brasil. A população idosa de hoje sofreu alguns entraves para se planejar financeiramente, como a hiperinflação e os planos mirabolantes que surgiram para combatê-la, diz. "Mesmo que esses idosos tivessem a consciência de que tinham que se preparar, não lhes deram chance", afirma.

Há um tripé fundamental para envelhecer bem, diz Kalache: ao capital biológico, que se resume em uma boa saúde, somam-se o capital social, que inclui os amigos, e o capital financeiro, ou seja, dinheiro no bolso. "As três coisas convergem e, se uma estiver faltando, esse banco vai ficar instável", afirma o médico gerontologista.

"A pior coisa que se pode esperar na velhice é ser dependente", afirma Kalache. Aquele modelo de família coesa, solidária e em que as mulheres estavam disponíveis em casa para prestar cuidado mudou, diz. É preciso se preparar para essa nova realidade. "O que os idosos mais querem hoje é ser independentes, ter autonomia, dizer o que querem, quando querem e como querem", afirma.

"Minha vó se sentia muito orgulhosa de que seus filhos cuidassem dela. Era um valor social. Minha geração já não quer assim", diz também a espanhola Mayte Sancho, psicóloga e gerontóloga social. "Queremos contar afetivamente com nossos filhos, mas não queremos sobrecarregá-los com cuidados difíceis. Preferimos o cuidado profissional." A evolução demográfica, afirma, indica que as pessoas vão viver em pares por mais tempo. Isso deve implicar uma diminuição da solidão das mulheres, que hoje costumam viver mais do que os maridos, mas também um incremento na demanda por cuidados profissionais.

A dúvida sobre a capacidade de ser independente foi motivo de ansiedade às vésperas da aposentadoria para a professora Ilka Nocentini, hoje com 76 anos. "A gente sempre fica preocupado se o que vai receber vai ser suficiente", diz. Foram as aplicações em previdência e poupança, conta, que garantiram as aulas de musculação e pilates que cursa atualmente, assim como as excursões que faz três vezes por ano com as amigas.

Faz parte do mesmo grupo, na academia e nas viagens, Maria Selma Mota, 65 anos. Investidora de um plano de previdência, ela tenta convencer os três filhos a fazerem o mesmo. "Eles estão na faixa dos 30 e ainda não se preocupam com isso", diz. Advogada, Maria Selma não parou de trabalhar. "Eu acho que trabalhar é vital. Não vejo essa possibilidade de ficar em casa, não gosto. Vou parar só quando achar que não tenho condições", diz.

Mostrar que a nova terceira idade tem capacidade de trabalhar é o objetivo de Bernardo Queiroz, professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Uma das formas de resolver o problema da previdência e da qualidade de vida é essas pessoas continuarem no mercado de trabalho. Uns podem ter saído porque preferiram se aposentar, outros porque não conseguiram inserção", afirma Queiroz.

"As gerações mais novas estão chegando à velhice em condições melhores do que seu pais, com enorme potencial para exercer atividades", afirma o pesquisador. Para se sentir como uma pessoa de 60 anos da década de 50, era preciso ter 71 anos em 2010, diz. Assim como somente aos 74 anos o idoso de 2010 se sentiria como o de 65 anos de seis décadas antes.

Os estudos também mostram, segundo Queiroz, que os idosos de hoje têm capacidade cognitiva e potencial para se adaptar às novas tecnologias superiores aos de gerações anteriores. Essa vantagem é ainda maior quando eles têm condições individuais favoráveis de educação, nutrição e saúde pré-natal e vivem em um país com cultura de envelhecimento saudável e alto Produto Interno Bruto (PIB).

"A abordagem chave é ficar fisicamente ativo e utilizar a mente", diz Linda, da Universidade de Columbia. Há modelos "ganha-ganha", afirma, como o do programa Experience Corps, hoje em 19 cidades dos EUA. Por ele, 2 mil voluntários de mais de 50 anos dedicam de 5 a 15 horas por semana a auxiliar crianças em escolas públicas de ensino fundamental. "Idosos independentes permanecem como um recurso para suas famílias, comunidades e sociedades", diz Linda.