Educação financeira não cria sozinha um tomador de decisão sofisticado

Muitos estudos mostram que o ensino financeiro não faz diferença porque as pessoas não mudam seus comportamentos - mesmo tendo mais conhecimento

Valor Econômico – 30/10/2013

Por Nikhil Hutheesing | Da Bloomberg

Depois da crise financeira, pais, educadores e até mesmo estudantes passaram a defender a implementação de cursos de cultura financeira nas escolas. O problema é que muitos estudos mostram que o ensino financeiro não faz diferença porque as pessoas não mudam seus comportamentos - mesmo tendo mais conhecimento. David Laibson, um professor de economia na Universidade de Harvard, diz que entender essa anomalia poderia nos ajudar a mudar nossas vidas financeiras.

A maioria dos americanos sabe que deveria poupar para a aposentadoria e para pagar suas dívidas. Mesmo assim, nem sempre eles fazem isso. Por quê?

Laibson: Nosso cérebro é o responsável pelas boas intenções não se traduzirem em ações. Um pequeno cabo de guerra acontece em nossa mente. Uma região do cérebro nos diz que a coisa certa a fazer é executar. Outra diz que o que importa é a satisfação imediata. A presença da dopamina nos induz a fazer coisas que podemos fazer agora. Para fazer com que coisas que não são prazerosas aconteçam, temos que aprender a exercer o autocontrole.

Quando a minha esposa teve bebê, nós sabíamos que teríamos de fazer um testamento, para o caso de não conseguirmos criar o menino. Imagine se saíssemos para jantar, sofrêssemos um acidente e morrêssemos. Quem cuidaria dele? Durante seis anos ficamos falando que iríamos fazer um testamento e finalmente fizemos.

Não é que não entendêssemos a importância de fazer um testamento. Não fazíamos porque estávamos adiando a dor do trabalho duro. É como dizer 'vou comer este pedaço de bolo de chocolate hoje, mas na semana que vem entro em uma dieta'. Essa mentalidade é hoje a raiz de muitos problemas financeiros.

Isso significa que até mesmo os mais instruídos financeiramente vão cometer erros?

Laibson: Já perguntei a muitos economistas se eles calculam o tamanho das poupanças que terão quando se aposentarem. Eles geralmente dizem que seguem suas intuições. Mas eles deveriam se perguntar quais deveriam ser suas taxas de poupança para que eles pudessem regularizar seus padrões de vida ao longo da vida, para não ficar sem dinheiro. Eles também não querem poupar demais e perder outras oportunidades que surgem na vida.

Pense na crise financeira e nos banqueiros de Wall Street, os mestres do universo. Eles cometeram os mesmos erros que as demais pessoas. Dá para entender o proprietário de uma moradia que tem baixa renda e contraiu uma hipoteca que não conseguiu pagar.

O difícil é acreditar que os banqueiros do Bear Stearns não entendiam de juros compostos. Até mesmo Alan Greenspan ficava dizendo que os preços das moradias não poderiam cair num âmbito nacional. Este era o seu mantra. Talvez tenha lhe faltado um melhor ensino fundamental, mas estou supondo que não foi esse o problema. Foi o fato de ele persistir com a ideologia de muitas pessoas que, por causa da educação financeira que tiveram, acreditavam que os mercados não causariam problemas e que seriam socialmente eficientes.

Dadas essas limitações, é perda de tempo e recursos ensinar cultura financeira na escola?

Laibson: A noção de que um curso pode transformar as pessoas em sofisticados tomadores de decisões financeiras é irreal. Também seria bizarro se acreditássemos que o nível certo de treinamento financeiro no ensino fundamental é zero, que é o grau de orientação que a maioria dos alunos do ensino fundamental tem. Acredito, porém, que há rendimentos decrescentes para os investimentos. A primeira mordida no sorvete é mais gostosa que a vigésima. O primeiro semestre do ensino financeiro vale mais do que o 12º.

Se tendemos a deixar de lado o planejamento de nossos futuros financeiros, parece que as aulas de cultura financeira seriam tão inúteis quanto as de trigonometria - você esquece completamente delas quando o curso termina.

Laibson: Não é bem assim. Ao contrário da trigonometria, a educação financeira é uma habilidade que quase todo mundo vai usar e portanto pode ser útil passar um certo tempo aprendendo os princípios básicos desta disciplina quando conseguimos exercer o autocontrole e cuidar de tarefas vistas como dolorosas. O problema é que se você não usar os conhecimentos por uma década, então você não vai se lembrar deles quando precisar.

O que isso nos diz sobre a melhor maneira de ensinar a educação financeira?

Laibson: Isso nos diz que você deveria obter a educação financeira de que precisa quando você precisar dela. Se você se inscreve hoje em um plano 401(k) [plano de previdência americano], precisa participar do seminário educativo de 45 minutos durante o processo de inscrição. A hora de aprender sobre cartões de crédito, tomada de empréstimos e juros compostos é quando os estudantes estão com 18 anos e começando a vida adulta.

A memória humana é muito falível. É querer muito eu dizer algo para você hoje e esperar que você se lembre disso daqui a cinco anos. Portanto, eu me concentraria em ensinar habilidades que se traduzam imediatamente em aplicações práticas. (Tradução de Mario Zamarian)