Piora fiscal reflete forte aumento de despesas e renúncia subestimada
Valor Econômico – 06/11/2013
Por Ribamar Oliveira, Edna Simão e Lucas Marchesini | De Brasília
A deterioração fiscal deste ano decorre não apenas de frustrações na receita tributária, mas de um expressivo aumento das despesas públicas, principalmente transferências de renda às famílias, e da subestimação do impacto das desonerações que foram realizadas ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, o resultado obtido refletiu opções de política econômica tomadas pelo governo.
Apenas oito itens foram responsáveis por 79,7% do aumento dos gastos de janeiro a setembro deste ano, em comparação com o mesmo período de 2012. Houve uma elevação de 18,8% nas despesas discricionárias do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), de 15,1% nos gastos com a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e Renda Mensal Vitalícia (RMV), 17,7% nos pagamentos do seguro-desemprego e abono salarial, de 29% no custeio da educação e de 13,1% nas despesas discricionárias da saúde.
A despesa do MDS cresceu, porque suplementou o programa Bolsa Família para que cada beneficiário não receba menos que R$ 70 por mês. O ministério gastou mais R$ 3,28 bilhões de janeiro a setembro deste ano, em comparação com igual período de 2012. No caso da Loas-RVM, a conta subiu R$ 3,3 bilhões, por causa de maior número de concessões de benefícios aos idosos e aos portadores de deficiências.
As despesas discricionárias da saúde cresceram R$ 6,3 bilhões no período considerado, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), principalmente por causa do aumento dos gastos com suporte profilático terapêutico, assistência hospitalar ambulatorial e atenção básica. Segundo a STN, o custeio com a educação aumentou R$ 4,4 bilhões, em virtude de gastos com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e as universidades, entre outros.
O aumento do gasto foi centralizado na área social e nas transferências de renda, com os investimentos públicos crescendo apenas 2,9% em termos nominais. Em termos reais, portanto, os investimentos tiveram queda real no período considerado.
As desonerações tiveram impacto não apenas sobre as receitas tributárias. Elas representaram custos significativos para os cofres do Tesouro. Apenas com a desoneração das tarifas de energia elétrica, o Tesouro arcou com R$ 4 bilhões até setembro. A desoneração da folha de salários sangrou o Tesouro em R$ 6,2 bilhões, também até setembro, mostrando que o governo não avaliou corretamente o impacto fiscal das medidas.
A despesa total do Tesouro registrou aumento de R$ 79,257 bilhões para R$ 666,981 bilhões até setembro. Em termos percentuais, representa expansão de 13,5%, uma variação acima do crescimento nominal de 8,5% para o Produto Interno Bruto (PIB), estimada pela STN.
Mesmo descontados os R$ 10,2 bilhões do auxílio à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e da compensação à Previdência, a situação não muda muito. As despesas mantém a trajetória de alta de 11,7%, ou seja, ainda muito acima da variação do PIB nominal. Como calculou o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, a despesa do governo cresceu 7,2% de janeiro a setembro, em comparação com igual período de 2012, em termos reais, enquanto as receitas, líquidas das transferências a Estados e municípios, aumentaram 2,2%, também em termos reais. Se as despesas crescem em ritmo muito superior às receitas, a redução do superávit primário é uma decorrência natural.
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse que algumas despesas que aumentaram serão permanentes, como os gastos com educação e com a saúde. E a criação de outras, como a aposentadoria especial para pessoas com deficiência, são necessárias. "Os programas sociais são positivos, pois reduzem gastos em outras áreas, como os de saúde."
Augustin observou que outras despesas não são recorrentes, como o auxílio à CDE e o impacto resultante da redução de cinco para quatro meses no prazo de pagamento do abono salarial. "Não teremos custo com a CDE no próximo ano", disse. Mas a conta da CDE aparecerá, se o governo ligar as termelétricas. Além disso, Augustin disse que haverá uma redução "significativa" na despesa com o abono e o seguro-desemprego, decorrente do pacote de medidas que o governo está negociando com as centrais sindicais.
Haverá também, explicou, um menor crescimento das despesas com os benefícios previdenciários e com o Loas-RMV, por causa do menor aumento real para o salário mínimo em 2014, fixado por lei em 0,9%. O secretário informou que o peso das desonerações no próximo ano será muito menor do que em 2013. "Não haverá valores novos expressivos de desonerações em 2014." As reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) "irão cair naturalmente" ao longo de 2014.
Junto com menor expansão de algumas despesas, Augustin prevê uma elevação das receitas tributárias, em decorrência de maior crescimento da economia e da reabertura do Refis da crise e da criação de dois novos parcelamentos. "O Refis vai se refletir em 2014, pois normalizará o pagamento de alguns setores e reduzirá os débitos", explicou. "O cenário fiscal tende a melhorar", disse. Essa melhora, segundo o secretário, já aconteceu em outubro deste ano. "O resultado do mês passado foi muito bom."
O otimismo do secretário não é partilhado por boa parte dos economistas de mercado. "Não dá para reduzir as despesas de uma hora para outra", disse Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do BC. Para ele, o governo, para resgatar a credibilidade, precisa definir uma trajetória de queda das despesas de forma a chegar ao déficit nominal zero em período a ser definido.