Fim da política do filho único na China pode criar problema econômico
Valor Econômico – 22/11/2013
Por Bob Davis | The Wall Street Journal, de Pequim
O relaxamento da polêmica política do filho único na China pode ajudar fabricantes de brinquedos e de alimentos infantis. Mas economistas dizem que, em alguns aspectos, isso pode piorar os problemas econômicos.
O problema surge num momento em que a China passa por uma aguda e irreversível mudança demográfica: a proporção da população em idade de trabalhar deve começar a declinar rapidamente depois de atingir um pico em 2015, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas.
A mudança na política anunciada na semana passada, que agora permite às famílias terem dois filhos desde que um dos pais seja filho único, vai gerar mais trabalhadores no futuro. Mas nas próximas duas décadas, ela vai agravar, em vez de resolver, os problemas demográficos da China, dizem demógrafos, pois pais e avós vão reduzir suas jornadas de trabalho para cuidar dos novos bebês.
Uma menor oferta de trabalhadores tem efeitos negativos: encarece a mão de obra e reduz a competitividade das fábricas de produtos mais básicos na exportação. Também torna mais difícil amparar um crescente número de aposentados e crianças.
Mas o esperado aumento da natalidade resultante da mudança significa que o consumo deve subir, compensando alguns desses efeitos econômicos adversos.
A oferta de mão de obra vem sendo crucial para o crescimento acelerado da China. Nos últimos 30 anos, a população chinesa em idade de trabalhar cresceu tanto em números absolutos como em relação à força de trabalho. Isso proporcionou mais trabalhadores à pujante indústria chinesa. Além disso, esses trabalhadores tinham menos dependentes.
Agora, o motor econômico representado pela demografia mudou de marcha: está freando o crescimento em vez de acelerá-lo. A população chinesa em idade de trabalhar vai continuar caindo nos próximos 15 anos, segundo a ONU, e poderia cair de forma tão acentuada quanto a do Japão nos anos 90. Até então, o Japão vinha crescendo tão rapidamente que muitos economistas previram que ele ultrapassaria os Estados Unidos como maior economia do mundo. Mas a economia japonesa começou a emperrar e a China superou o Japão como segunda maior economia do mundo em 2011.
"O relaxamento da política do filho único vai aumentar o peso sobre a economia chinesa", disse Peng Xizhe, economista da Universidade Fudan.
Antes do anúncio da nova política, os economistas Nathan Sheets e Robert A. Sockin, do Citigroup, projetaram que os problemas demográficos iriam subtrair 3,25 pontos percentuais da taxa de crescimento anual da China entre 2012 e 2030, comparado a uma taxa de dois dígitos nas últimas décadas. Os dois economistas estimaram que nos próximos 20 anos a China cresceria no máximo 6,9% ou talvez "substancialmente menos".
Eles refizeram seus cálculos para levar em conta 1,5 milhão de bebês adicionais por ano devido à nova política e concluíram que os problemas demográficos vão piorar ainda mais nos próximos 15 anos. "Permitir que as pessoas tenham mais filhos vai ajudar a combater a escassez de pessoas em idade de trabalhar só daqui a uns 20 anos, depois que essas crianças tiverem crescido", disse Sheets, ex-economista internacional do banco central americano. "Até lá, as crianças adicionais não estarão trabalhando - e vão precisar de cuidados. Isso significa mais gastos públicos [especialmente com escolas] e menos horas de trabalho para os pais."
Por outro lado, diz Sheets, os pais chineses, como os de qualquer lugar, vão gastar mais com seus filhos e, assim, impulsionar o consumo. Muitos setores devem se beneficiar do número maior de crianças, incluindo o de brinquedos, confecções e educação. À medida que elas crescem, também haverá demanda por mais e maiores apartamentos.
Tudo isso poderia reduzir as taxas de poupança da China e ajudar a economia a realizar a sua há muito desejada transição para uma dependência maior do consumo interno e menor das exportações e investimentos estatais pesados em imóveis e indústrias de capital intensivo. No geral, preveem Sheets e Sockin, a alta no consumo vai compensar as perdas demográficas.
Economistas observam que a alta no consumo vai enfraquecer conforme os novos bebês forem nascendo e crescendo.
De um modo mais geral, o relaxamento da política do filho único agrava a perda do chamado dividendo demográfico da China: os ganhos econômicos que o país obteve por causa das vantagens demográficas entre 1985 e 2015, período de crescimento da força de trabalho e redução dos dependentes.
A política do filho único, embora frequentemente acusada de cruel e desumana, aumentou o dividendo demográfico ao limitar a natalidade, dizem demógrafos. Apesar de a demografia ter dado à China uma vantagem, ela não explica a notável diminuição dos níveis de pobreza do país, dizem economistas. A maior oferta de mão de obra deu à China chance de crescer. Ela aproveitou e abriu sua economia para o mundo, se concentrando na manufatura, exportação e infraestrutura, setores que absorveram milhões de trabalhadores não qualificados provenientes das áreas rurais.
Outros países, principalmente na América Latina, não tiraram proveito de oportunidades demográficas semelhantes nos últimos 20 anos, quando as taxas de natalidade também caíram e a população em idade de trabalhar aumentou, disse Nicholas Eberstadt, demógrafo do Instituto American Enterprise, um centro de estudos de Washington. "O dividendo demográfico é uma teoria elegante, mas a menos que haja instituições e reformas econômicas para transformar o potencial em riqueza, o dividendo não vai se concretizar", diz.
Os líderes da China estão procurando agora formas de lidar com o fim do dividendo demográfico. Eles vêm exortando fabricantes a se automatizarem e procurar mercados onde os custos de mão de obra não sejam essenciais. O governo também está cogitando elevar a idade de aposentadoria - hoje de 60 anos para homens e 55 para mulheres - para aumentar a força de trabalho.
Mas só pessoas não são suficientes, alertam os economistas. Trabalhadores mais velhos na China tendem a ser menos qualificados e precisarão de treinamento para trabalhar com tecnologia.