Ideia de morte está distante da realidade
Por Denise Bueno | Para o Valor, de São Paulo
"A longevidade é algo bom e de forma alguma deve ser encarada como um problema." Responda rápido: Com quantos anos você vai morrer? Onde vai morrer? Do que vai morrer? "Morrer depois dos 85 anos, de morte súbita e em casa". Essa é a expectativa da maioria das pessoas entre 40 anos e 60 anos que estão se preparando para a aposentadoria. No entanto, a frieza dos números mostra que menos de 10% das mortes registradas no Brasil são fulminantes.
A realidade hoje no país é que as principais causas de morte são as doenças crônicas como câncer ou decorrentes de Alzheimer. São doenças de longo sofrimento, tanto do ponto de vista emocional quanto financeiro.
"Mais de 85% das pessoas, tanto no Brasil como em outros países, têm essa percepção da velhice quando são induzidas a pensar na morte. A ideia de morte da maioria das pessoas está longe da realidade que temos hoje", diz Alexandre Kalache, presidente do Centro de Longevidade do Brasil. No entanto, afirma o estudioso, esse cenário pode mudar. "A longevidade é algo bom e de forma alguma deve ser encarada como um problema. Tudo vai depender de como cada um conduz a rota da vida no sentido de hábitos saudáveis", afirma ele.
Em poucas palavras, o estudioso resume a qualidade de vida na velhice no que chama de quatro capitais, ou 4C. O primeiro é o capital financeiro. Afinal, dinheiro não nasce em árvore. O quanto antes a pessoa começar a programar como ter uma renda no futuro, melhor. E poucos fazem isso.
"Americanos e latino-americanos têm o mesmo sentimento: não guardamos o suficiente", afirma Robert A. Kerzner, presidente e CEO da Limra, Loma, associação internacional dedicada a pesquisas e estudos nas áreas de vida e previdência, ligada a 1,2 mil companhias seguradoras e empresas financeiras, em mais de 80 países.
A mais recente pesquisa da Limra realizada em países da América Latina revela que há uma falta de poupança e de planejamento de aposentadoria, bem como uma má compreensão dos riscos associados à aposentadoria, como a longevidade, os custos com cuidados de saúde, a volatilidade dos investimentos e os riscos da inflação.
O segundo capital é o biológico. Viver muito tempo com saúde vai depender das escolhas feitas ao longo da vida. "Uma pessoa sedentária, que segue uma dieta branca - farinhas, sal, açúcar e cachaça - fatalmente sofrerá as consequências ao longo do tempo", afirma o especialista. A recomendação é uma dieta colorida, com muitas frutas e vegetais. É o que faz Mario Bueno, de 83 anos, que goza de perfeita saúde física e mental: "Sempre comi um pouco de tudo e assim a cerveja com a família e amigos não pesa. Pelo contrário. A alegria de estar com todos acrescenta anos à minha vida", diz o aposentado que vive em Sorocaba, interior de São Paulo, cercado dos mimos da segunda esposa, filhas e amigos.
O terceiro capital citado por Kalache é exatamente esse: o social. "Muitas pessoas se esquecem da família e dos amigos, dedicando-se exclusivamente ao trabalho. Mas o trabalho fica para trás", comenta. Segundo ele, é preciso fazer como Mario Bueno. Tem gente que envelhece sem se esforçar para ser aceito. Já outros precisam se esforçar para nutrir as relações ao longo da vida com alegria. "Ser ranzinza só afasta os entes queridos, levando a pessoa à solidão, sentimento que desencadeará muitas outras doenças", afirma.
O quarto capital para se ter uma vida longeva e feliz é o conhecimento. "Ganhamos muitos anos de vida desde que nascemos e isso significa que temos de nos reciclar e buscar outras atividades ao longo da nossa existência. Um mecânico que hoje não entende de eletrônica, por exemplo, fica para trás", exemplifica Kalache. Essa é a aposta de Antonietta Del Negro, de 75 anos. "Estou na fila de espera da turma de informática para idosos. Quero aprender a mexer no Facebook para acompanhar do Brasil um pouco da vida do meu filho que mora na Suíça e acaba de se casar", diz a viúva italiana, mãe de quatro filhos e avó de cinco netos, totalmente satisfeita com o resultado de seu último check-up: "Só as triglicérides estão um pouquinho elevadas. Mais nada".
Kalache resume: "Para envelhecer bem é preciso investir em ter saúde, conhecimento, vida social e também em dinheiro para custear as necessidades básicas da longevidade. Afinal, comida, remédios e passeios têm um custo. E dinheiro não nasce em árvore".
Fonte: Valor Econômico: 13/12/2013