Demografia (XI): as mulheres

Como as mulheres vivem mais, muitos países estão revendo suas regras de aposentadoria

15/01/2014 – Valor Econômico

Por Fabio Giambiagi

Estamos nos aproximando do final desta série de artigos nos quais abordei diferentes questões da nossa demografia: tratei da natureza universal do processo de envelhecimento; da mudança da pirâmide populacional; da revisão da projeção da população por parte do IBGE; do Censo de 2010; de certas curiosidades da relação entre gêneros; das diferenças das taxas de crescimento entre faixas etárias; do vínculo entre a População Economicamente Ativa (PEA) e o PIB; da tendência da PEA; da redução do número de jovens e do crescimento da população idosa. Hoje abordo a questão da participação feminina no grupo das pessoas de 60 anos de idade ou mais.

A tabela, com o peso da participação feminina na citada faixa de 60 anos ou mais, no Brasil, fala por si só. Ela traz duas informações importantes. A primeira é que nesse contingente, em 2010, a participação feminina era dominante, alcançando 56 % do contingente de pessoas na faixa. A segunda é que essa participação aumentou, em relação aos 53 % de 1980. Tomando como referência a revisão populacional divulgada recentemente pelo IBGE e considerando os anos específicos de 2000 e 2013, constata-se que nesse intervalo de 13 anos, o grupo de homens com 60 anos ou mais teve um crescimento anual de 3,32 %, taxa que no caso das mulheres foi de 3,52 %.

Outro dado relevante diz respeito às diferenças por sub-faixas. Analisando não as projeções e sim os dados efetivamente registrados, há pontos interessantes a destacar. No Censo de 2010, a participação das mulheres na população era de 51%, mesmo percentual que no grupo dos 20 aos 59 anos. Já a faixa de 60 anos e mais, onde a participação feminina foi de 56 %, tem dois subgrupos: de 60 a 79 anos, a participação feminina é de 55%, enquanto que no subgrupo de pessoas com 80 anos ou mais de idade, tal participação alcança nada menos que 61 %. Isso significa, em outras palavras, que entre os 60 e os 79 anos, para cada 100 homens há aproximadamente 120 mulheres e para quem tem 80 anos ou mais, para cada 100 homens há em torno de 160 mulheres!

O aumento da presença feminina no grupo etário mais avançado não é difícil de explicar. Na década de 30, no Brasil, quem tinha 40 anos de idade tinha uma expectativa de viver até os 64 anos (homens) ou até os 66 anos (mulheres). Hoje, tais números são de 76 e 81 anos, respectivamente. Ou seja, a maior longevidade feminina pa ra quem tem 40 anos, que era de mais 2 anos em relação aos homens há 8 décadas, hoje é de 5 anos. Por que? Porque a identificação preventiva e tratamento eficaz a uma das maiores "causa mortis" daqueles anos (o câncer de mama) avançou mais rapidamente que o tratamento de outras doenças, mais tipicamente masculinas. Muitos daqueles que se encontram na minha faixa etária, no "segundo tempo" da vida, têm alguma tia ou avó que morreu desse tipo de câncer no passado, ao mesmo tempo em que a cura de casos mais recentes é fenômeno corriqueiro, presente na mídia quando afeta alguma pessoa mais conhecida. Viva os avanços da medicina!

A maior presença feminina por faixa etária à medida que se avança na idade está ligada, também, à maior incidência de mortes associadas a doenças cardíacas na população masculina. Vão-se mais homens do que mulheres por infartos depois dos 40 anos. Adicionalmente, a realidade aponta para o fenômeno de que os homens costumamos ser notoriamente mais incapazes de sobreviver ao falecimento do cônjuge do que o contrário: quando a companheira de um idoso falece, é comum o homem (o mal denominado "sexo forte") se deixar abater e partir pouco depois, ao passo que, em geral, as mulheres conseguem se recompor e costumam viver mais tempo. Por isso, em média, um homem de 70 anos vive em média até os 83 anos e uma mulher até os 86.

É esse somatório de fatores a razão pela qual as mulheres têm aumentado seu peso na população idosa e há maior presença relativa de mulheres à medida que se avança rumo aos grupos etários mais elevados. Como as pessoas com 80 anos e mais, onde as mulheres são largamente majoritárias, aumentam gradativamente seu peso na composição dos idosos, é natural que o peso das mulheres aumente no grupo de pessoas de 60 anos e mais de idade.

Por tudo isso, muitos países estão revendo as regras de aposentadoria, no sentido de dilatar o período de permanência no mercado de trabalho e aproximar as regras de aposentadoria entre os gêneros, deixando para trás situações onde o requisito de aposentadoria para as mulheres estabelecia em muitos casos uma idade de aposentadoria de 5 anos a menos que a dos homens. A mudança decorre do fato de que as mulheres, que estavam se aposentando antes, vivem mais. Precisamos introduzir o tema na agenda nacional.

Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus), escreve mensalmente às quartas-feiras. fgiambia@terra.com.br.