Caindo na real sobre a aposentadoria
Valor Econômico – 27/03/2014
Por Linda Stern | Da Reuters
Há duas realidades na área do planejamento de aposentadoria. A primeira consiste de planilhas, calculadoras e princípios básicos assustadores que guiam trabalhadores e aposentados em suas decisões de poupança e gastos.
A outra realidade diz respeito ao espaço onde os aposentados de fato vivem. Esta é a verdadeira realidade, aquela que você provavelmente estará vivendo quando deixar seu último emprego. Ela é pouco examinada, apesar do grande número de relatórios publicados regulamente sobre as expectativas e projeções de aposentadoria.
Mesmo assim, sabemos algumas coisas sobre como as pessoas comuns se aposentam. Normalmente elas não economizaram 25 vezes seus gastos anuais, conforme sempre recomendado. Também não trocaram as ações pelos bônus no dia em que se aposentaram, que provavelmente chegou antes da "idade de aposentadoria plena", de 66 anos estabelecida pela Social Security Administration, agência americana que administra o sistema de seguridade social do país.
Esses aposentados também não calculam cuidadosamente seus gastos mensais em planilhas do Excel (a menos que sejam engenheiros). Eles não mudam suas personalidades quando aposentam. Geralmente, eles gostam da vida de aposentado e de participar dos mesmos tipos de atividades que lhes davam prazer antes da aposentadoria.
Os trabalhadores deveriam planejar e se preparar para a aposentadoria. Mas a probabilidade de eles serem bem-sucedidos será maior se eles se planejarem para o que vem pela frente. Eis algumas coisas que sabemos hoje serem verdadeiras sobre a aposentadoria. A seguir:
- A realidade: você vai gastar menos do que imagina. Mas somente depois de você ter gastado mais do que imaginava.
Muito se fala que você precisa se planejar para gastar de 80% a 100% do volume que você gastou nos últimos anos de trabalho. Mas isso não chega nem perto da verdade. A maioria das pessoas gasta muito dinheiro no primeiro ou segundo ano de aposentadoria, quando fazem viagens há muito adiadas, reformam a casa, investem em "hobbies" e coisas do tipo.
Mas, ao longo do tempo, os gastos dos aposentados caem substancialmente. As famílias encabeçadas por pessoas com mais de 75 anos gastam apenas 72% do que aquelas encabeçadas por pessoas com 65 a 74 anos gastam, e apenas 63% dos gastos das famílias lideradas por pessoas com 55 a 64 anos, segundo um levantamento do J.P. Morgan com base em números do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Recentemente, a firma fez uma análise ampla das práticas de aposentadoria. Os gastos domésticos na verdade atingem um pico em famílias encabeçadas por pessoas com 48 anos; seus gastos caem quase pela metade quando chegam aos 75 anos.
- A realidade: você não vai trabalhar até os 70 anos. Hoje, os trabalhadores são regularmente informados de que vão se beneficiar muito se trabalharem até os 70 anos, e acabam esperando até essa idade para recolher os benefícios da Previdência Social. Isto é fato - mas não é muito realista.
Na verdade, o J.P. Morgan constatou que menos de 2% dos aposentados chegam aos 70 anos para depois começar a colher os benefícios da Previdência Social. A idade média de aposentadoria é 61 anos, segundo uma pesquisa recente do instituto Gallup. Muitas pessoas que pretendiam trabalhar até os 70 anos se veem expulsas de seus empregos ou forçadas a se aposentar mais cedo por razões de saúde. Diante desta realidade, é bom que aqueles que se aposentam antecipadamente consigam ajuda profissional para que possam decidir se é melhor usar suas poupanças e adiar os benefícios da Previdência Social, ou começar a usar antes esses benefícios e proteger suas economias.
- A realidade: seus gastos não serão estáveis e você pode querer que sua renda não seja. Os aposentados gastam grande parte de seu dinheiro em blocos. Eles compram um carro em um ano, fazem uma viagem no outro, recorrem às suas economias para ajudar os netos na faculdade. Às vezes, eles têm anos de vacas magras, em que ficam em casa e se concentram em cuidar do jardim e na leitura. Como os problemas de saúde começam a aparecer, eles gastam grandes somas de dinheiro em espaços curtos de tempo com cuidados médicos.
Os aposentados não inflam seus gastos em uma base anual para acompanhar o Índice de Preços ao Consumidor, constatou a firma de investimentos T. Rowe Price. Eles tendem a manter as retiradas das economias estáveis de um ano para o outro. E eles permitem que seus gastos sejam de certa forma resultado dos retornos do mercado, apertando mais o cinto após anos de perdas e gastando um pouco mais após a obtenção de retornos altos.
Isso significa que um pé-de-meia de aposentadoria adequado permite essa variação - ele mantém parte do dinheiro em produtos com liquidez e não atrela uma soma relevante de dinheiro a produtos de renda vitalícia que pagam a mesma quantia todo mês.
As principais constatações do J.P. Morgan foram nesta área. A instituição viu que a chamada regra prática dos 4% para as retiradas de aposentadoria pode não ser a melhor maneira de calculá-las. Os aposentados interessados em ajustar suas retiradas anualmente com base nos retornos de mercado e dispostos a renunciar aos ajustes anuais da inflação, podem na verdade começar suas aposentadorias retirando 5% ou mais dos ativos em seu primeiro ano de aposentadoria, dependendo da idade.
Você provavelmente não ficará sem dinheiro. A maioria dos aposentados não gasta despreocupadamente até que suas despensas estejam vazias e eles fiquem sem dinheiro. Eles limitam seus gastos mais gradualmente para que se enquadrem em suas possibilidades. As pessoas que ficam literalmente sem dinheiro tendem a ser mais velhas e mais doentes, e que dependem de recursos do Medicaid para pagar casas de repouso caras.
- A realidade: você vai se divertir. Não é preciso muito dinheiro para uma aposentadoria bem-sucedida e, na verdade, a felicidade nem sempre depende dos saldos do fundo de pensão. Na pesquisa feita pelo J.P. Morgan, o grau de satisfação que um aposentado tem parece esmaecer quando seus gastos superam os US$ 40 mil por ano. Cerca de 68% dos participantes de uma pesquisa feita pela revista "Consumer Reports" em 2011 disseram que estavam "muito satisfeitos" com a vida de aposentado.
A realidade: as melhores coisas da vida são de graça.
Linda Stern é colunista da Reuters. Este artigo reflete as visões pessoais do autor e não as da Reuters ou as do jornal Valor Econômico.