A ameaça ao pleno emprego
Valor Econômico – 09/04/2014
Por Cristiano Romero
Um dos principais legados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi fazer os empresários acreditarem no país. Lula deixou claro que, em seu governo, contratos seriam respeitados e a estabilidade da economia seria tratada como um princípio. Isso permitiu fundar uma relação de confiança que, em última instância, favoreceu, nos anos seguintes, a redução da taxa de desemprego a níveis historicamente baixos.
Quando Lula assumiu o poder em 2003, o que faltava era justamente confiança. No exercício da presidência, o então presidente se mostrou pragmático. Manteve o arcabouço de política econômica herdado do antecessor, aperfeiçoando-o por meio do aumento do esforço fiscal e da acumulação de reservas cambiais. No fundo, Lula redobrou a aposta de Fernando Henrique Cardoso, o pai do Plano Real, na estabilidade.
O choque foi tão consistente que, depois de seis meses, a economia voltou a crescer. A inflação caiu de 17% nos 12 meses concluídos em maio de 2003 para 3,1% em dezembro de 2006. Em menos de três anos, o governo fez o impensável ao quitar a dívida com o Fundo Monetário Internacional. E, em 2008, conquistou o grau de investimento das agências de classificação de risco - cinco anos antes, os títulos da dívida brasileira eram considerados "junk bonds", papéis de altíssimo risco que pagavam os prêmios mais altos do planeta.
Lula também conquistou prestígio junto ao setor privado por ter aprovado, no Congresso, a mais inesperada das reformas: a da previdência do setor público, que instituiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e equiparou as condições de aposentadoria do funcionalismo às dos trabalhadores do setor privado. É verdade que, arrependido, o presidente desistiu de regulamentar essa reforma, mas deu o passo fundamental ao usar seu capital político para mudar a Constituição - a regulamentação acabou sendo feita pelo atual governo.
O principal efeito de tudo isso foi a queda do desemprego. Convencidos de que Lula não promoveria um retrocesso, os empresários começaram a contratar trabalhadores. No início, o movimento foi lento, mas, à medida que o tempo foi passando e as conquistas foram ficando claras, a taxa de desocupação recuou de 11,2% em janeiro de 2003 para 5,3% em dezembro de 2010.
A contratação do chamado "exército de reserva" acelerou o crescimento da economia. No período de 2003 a 2006, segundo cálculos do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), a produtividade do trabalho cresceu, em média, 2,4% ao ano. No período seguinte (2006-2010), o passo aumentou para 2,8%. De 2010 a 2013, o avanço já foi bem menor: 1,8% ao ano.
Quando se observa a evolução da produtividade total dos fatores (PTF), que leva em conta a contribuição de todos os fatores de produção e de insumos relevantes e não apenas a contribuição do trabalho, vê-se quadro parecido. Entre 2003 e 2006, ela cresceu, em média, 2% ao ano; entre 2006 e 2010, 2,1% e, no período 2010-2013, 0,8%.
Os números mostram que a crise de 2009 provocou uma queda permanente na PTF, como assinala Barbosa Filho, contribuindo para reduzir o chamado PIB potencial do país - de acordo com seus cálculos, em quase 1,5 ponto percentual no período 2010-2013, quando comparado a 2003-2010.
O pesquisador do Ibre decompôs o crescimento do PIB e concluiu que, entre 2002 e 2013, a PTF contribuiu com 38,1% da expansão da economia no período - em média, de 3,4% ao - e as horas trabalhadas (HT), com 24,2%. Entre 2010 e 2013, a contribuição desses dois itens caiu, respectivamente, para 21,7% e 4,4%.
Está claro que, daqui em diante, se quiser crescer de forma mais rápida, o Brasil terá que aumentar a taxa de investimento da economia (capital) e criar condições para a elevação da produtividade. Já se sabe que será um enorme desafio aumentar a produtividade do trabalho, uma vez que a economia está operando em alguns setores e regiões a pleno emprego. As soluções passam por duas palavras banidas dos dicionários de Brasília: confiança e reformas.
Ao superindexar o salário mínimo logo no início de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff aplicou à economia o mesmo tratamento dado na crise de 2009, quando o governo optou por uma overdose de estímulos creditícios e fiscais para evitar uma recessão. O receituário incentivou ainda mais o consumo, inflou o setor de serviços e encareceu a mão de obra, criando dificuldades para a indústria, que, não por acaso, vive estagnação desde meados de 2010. A tese por trás desse modelo insustentável é a de que, quando se estimula o consumo, o investimento vem na sequência. O fato é que não veio e o resultado não foi outro, a não ser crescimento menor, inflação alta e déficit externo crescente.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que estimulou o consumo, a presidente lançou um programa de concessões de infraestrutura em quatro áreas: aeroportos, rodovias, portos e ferrovias. Ignoradas as idas e vindas das regras, foi uma decisão acertada porque procura, em pelo menos um aspecto, aumentar a produtividade.
Os defensores da gestão econômica de Dilma alegam que não há nada de errado no modelo atual, afinal, o país vive o pleno emprego e, no fundo, é isso que importa. Este é um argumento que sobrevive ao debate político-eleitoral, mas não ao tempo. Sem a volta da confiança e o aumento da produtividade, as empresas não conseguirão manter o emprego nos níveis atuais.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
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