Primeiro passo: não perca dinheiro à toa

As pessoas seguem pagando mais do que precisariam por empréstimos, e contrariando a regra número 1 de evitar perder dinheiro à toa

Valor Econômico – 06/05/2014

Por Fernando Torres

Veja bem se você entraria em um negócio como esse. A proposta: entregue seu patrimônio para um gestor de recursos administrar de forma bastante conservadora. De tudo que ele ganhar após um ano com o seu dinheiro, 50% ficam com ele, 10% vão para o governo e você fica com 40%. Essa sua fatia líquida será equivalente a pouco mais da metade do que você teria se colocasse o dinheiro na poupança.

Vai precisar de tempo para pensar ou vai me dar logo uma banana, à la Daniel Alves?

É verdade que ganhar dinheiro com aplicações financeiras pode ser difícil, especialmente para aqueles que estão começando e ainda precisam decifrar a linguagem nada amigável do mercado.

Mas um bom primeiro passo - que também vale para os veteranos - é se concentrar primeiro em evitar perder dinheiro.

Uma dica como essa, que deveria ser a número 1 em qualquer cartilha de educação financeira, pode parecer ridícula de tão óbvia. Mas milhares de brasileiros deixam de segui-la diariamente em seu relacionamento bancário.

A proposta feita no início do texto, por exemplo, foi aceita por 803 mil cotistas de três fundos de investimento de grandes bancos de varejo em 2013, que tinham R$ 14,63 bilhões aplicados em carteiras que deram exatamente aquele resultado, no qual metade do retorno bruto, equivalente ao CDI, foi pago em taxa de administração aos bancos.

Fazendo a conta, nota-se que o tíquete médio não é tão pequeno, estando em R$ 18,2 mil, o que significa não estarmos falando da classe de renda mais baixa da "população investidora".

Os três bancos levaram para casa nada menos que R$ 600 milhões em taxas para prestar esse serviço aos investidores. Se houvesse um ranking dos fundos mais rentáveis - do ponto de vista dos bancos, é claro -, esses produtos provavelmente estariam encabeçando a lista.

É provável que se os fundos tivessem sido apresentados desta maneira aos cotistas, a adesão fosse muito menor. Mas ainda que responsabilidade social corporativa esteja na moda, seria demais esperar que o vendedor alardeasse os aspectos negativos do produto vendido, e não a possibilidade de se ganhar prêmios com os fundos ou a conveniência da aplicação automática.

Por outro lado, ninguém pode reclamar que a informação não está disponível. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que ela seja apresentada ao cotista na ainda desconhecida "lâmina de informações essenciais" (documento criado pela autarquia em maio de 2012) e que precisa ser apresentada mensalmente por todos os fundos de investimento.

Ela é bem simples e em um de seus itens exige a divulgação de uma simulação de quanto a pessoa colocaria no bolso, ao fim de um ano e após todos os custos, se tivesse investido R$ 1 mil naquele fundo no início do período. Custos esses que são divididos basicamente entre tributos sobre o rendimento, que vão para o governo, e a taxa que remunera o gestor e o administrador do fundo. Assim, embora a conta não venha pronta, é possível calcular como é repartida a rentabilidade.

Mas e os investidores? Será que eles leem esses e outros documentos que os reguladores exigem que sejam apresentados no momento da venda do produto financeiro?

Tudo indica que não.

E, infelizmente, não é apenas na hora de investir que as pessoas não têm aproveitado como poderiam o esforço dos reguladores para diminuir a assimetria de informação entre clientes e bancos.

Na área de crédito, por exemplo, o Banco Central age em duas frentes. De um lado, exige que os bancos divulguem as taxas médias praticadas em cada linha de crédito (cheque especial, consignado, financiamento de veículos etc), o que, em tese, permitiria que o site da autoridade monetária funcionasse como uma espécie de Buscapé ou Bondfaro dos empréstimos.

Para os casos em que o empréstimo já foi tomado, a autoridade monetária regulou a portabilidade de crédito, o que permite a troca de um empréstimo mais caro por outro mais barato, em outro banco (lembrando que a troca do crédito imobiliário passou a ser possível desde ontem).

Se esses dois mecanismos tivessem o alcance desejado, a competição teria levado a uma queda substancial das taxas médias cobradas, com um alinhamento dos juros em um patamar mais baixo.

Contudo, não é o que o se observa na prática. As pessoas seguem pagando mais do que precisariam por empréstimos, e contrariando a regra número 1 de evitar perder dinheiro à toa.

Ainda na área bancária, o Banco Central criou os pacotes de serviços essenciais padronizados e também a conta eletrônica, que oferece inúmeros serviços gratuitos para os correntistas. Mas como os bancos não fazem propaganda disso, e as pessoas não se interessam em pesquisar, a penetração desses produtos também é mínima.

O fato de as iniciativas dos reguladores não terem efeito imediato no comportamento das pessoas não deve desanimar aqueles que militam pela educação financeira. É só um sinal de que mais precisa ser feito, seja por meio de campanhas ou também de regulação.

Uma possibilidade seria a CVM aproveitar o processo de audiência pública para reforma da Instrução nº 409, que trata dos fundos de investimento, para retomar uma ideia que chegou a gerar processos sancionadores em casos mais exagerados no passado.

Seria tratar como irregular a oferta de fundos com taxas de administração que impedissem que o objetivo declarado do produto fosse alcançado. Se o banco cobra 5% ao ano de taxa, nunca ficará nem próximo do CDI e, portanto, não poderia ter esse retorno como referência.

Uma alternativa radical - e com a qual não concordo - seria restringir a aplicação. Qualquer pessoa deveria ter o poder para decidir o que fazer com seu dinheiro, inclusive jogar fora. Mas se a CVM considera que alguns produtos devem ficar restritos a investidores qualificados ou profissionais, diante da complexidade e risco de perda, por que aplicações financeiras cujo desempenho insatisfatório é praticamente certo ficam livres para qualquer pessoa perder dinheiro?

Fernando Torres é repórter de S.A..
E-mail: fernando.torres@valor.com.br