Os investidores e os traumas do passado
05/06/2014 – Valor Econômico
Por Aquiles Mosca
O desempenho passado tem impacto sobre a propensão ao risco, o que é distinto do impacto exercido pela performance observada no período corrente. Perdas significativas incorridas no passado ficam registradas na memória do investidor, fazendo com que novos investimentos no ativo que gerou as perdas sejam evitados a todo custo e por muito tempo. É o que os especialistas convencionaram chamar de efeito "mordida de serpente", dada a fobia que muitas vítimas de ataques de cobras desenvolvem.
Da mesma forma que é difícil para uma pessoa que sobreviveu a um acidente de avião voltar a voar com confiança, é complicado para o investidor voltar a aplicar em um ativo que gerou perdas no passado. Esse trauma faz com que, na cabeça dele, o ativo causador de perda fique marcado. Consequentemente, quando precisa julgar a probabilidade futura do mesmo ativo gerar perdas novamente, o investidor tende a superestimar a chance de novos prejuízos, ainda que não haja elementos objetivos que sugiram tal tendência. É evidente que, dessa forma, os ativos disponíveis para aplicação não serão julgados de maneira isenta e objetiva, podendo afetar a boa diversificação da carteira de investimentos.
Via de regra, o investidor que se encontra nessa situação dará preferência a ativos com pouco risco, privando sua carteira do potencial de alta dos ativos mais voláteis. Aplicações em ações brasileiras e títulos locais atrelados à inflação vem facilmente à mente quando fazemos o paralelo com o que ocorreu com os investimentos de pessoas físicas nos últimos anos no mercado financeiro doméstico.
Odean, Strahilevitz e Barber (2005) analisaram essa tendência comportamental em um estudo voltado ao impacto do desempenho passado sobre as escolhas de investidores, testando a hipótese de haver ou não maior dificuldade de adquirir ativos que causaram perdas no passado quando comparado a ativos que geraram ganhos. Para tanto, os pesquisadores analisaram ao longo de 12 meses as ordens de compras e vendas passadas por duas amostras de 7 mil investidores em períodos distintos (de 1991 a 1996 e de 1997 a 1999), calculando a porcentagem de ativos vendidos que foram recomprados ao longo do período de análise. As transações foram então diferenciadas pelo fato de terem sido ou não alvo de prejuízos para o investidor no passado.
Os resultados obtidos revelaram que, para cada amostra, os ativos que foram vendidos com ganhos no passado foram recomprados com uma frequência duas vezes superior aos de ativos que geraram perdas anteriormente.
Mais uma vez, vemos a extensão do impacto do passado na decisão de investimento no período corrente. Nesse caso, o trauma vivenciado aguça a aversão a perdas, evitando novos posicionamentos em ativos que muitas vezes têm boas perspectivas futuras, prejudicando a boa diversificação da carteira de investimentos. Esse trauma ocorre tanto quando o investidor observa ativos individuais, como a ação de uma empresa específica, quanto para uma classe toda de ativos, como a bolsa de valores medida por um índice de ações relevante ou pelo retorno de um fundo de ações. Ao portar-se de tal maneira, o aplicador priva sua carteira de investimentos da aquisição de ativos que, exatamente por terem sofrido depreciação no passado, podem ser adquiridos a preços mais atraentes e com potencial de agregar retornos extraordinários à carteira em horizontes mais amplos.
Para evitar cair na armadilha de mais essa tendência comportamental, a disciplina e uma boa análise dos fundamentos econômicos do ativo em questão são as principais ferramentas que dispomos para minimizar os impactos nocivos sobre o portfólio do investidor. Por disciplina, refiro-me à definição e manutenção ao longo do tempo de um percentual dos recursos que serão investidos em cada classe de ativos de risco.
Sabemos como é difícil acertar o melhor momento para entrar e sair desses mercados. Assim, quem precisa correr risco na busca por retornos extraordinários precisa estar disposto a enfrentar períodos de queda para que não esteja fora desses mercados nos momentos de alta. Daí a necessidade de disciplina no rebalanceamento periódico da carteira para manter os percentuais adequados de alocação particular a cada investidor.
Por fim, a análise apurada dos fundamentos e das perspectivas futuras dos diversos ativos é um instrumento que dá segurança ao investidor, principalmente para quem teve perdas no passado (e precisa superar seu trauma), de que as posições futuras estão sendo realizadas em um cenário de perspectivas positivas que tende a se traduzir em ganhos para a carteira ao longo do tempo.
Aquiles Mosca é estrategista de investimentos pessoais e superintendente executivo comercial do Santander Asset Management. É autor dos livros "Investimento sob medida" e "Finanças Comportamentais". Preside o Comitê de Educação de Investidores da Anbima.
E-mail: aquiles.mosca@santander.com.br
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