Um empurrão para a previdência
13/11/2014 – Valor Econômico
Por Luciana Seabra | De São Paulo
Está em estudo no Brasil uma estratégia para aumentar a adesão aos planos de previdência das empresas: a aplicação automática em fundos de pensão. A solução, válida ou em fase de aplicação em países como Nova Zelândia, Inglaterra e Irlanda, é tão simples quanto polêmica. Em vez de tentar convencer o investidor a se inscrever no fundo de pensão, a entidade faz o cadastro de todos os novos funcionários sem perguntar se desejam ou não participar do plano. Quem não quiser ficar tem que pedir para sair.
No Brasil, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) discute o tema em uma comissão temática há um ano. A demanda foi feita pelos próprios fundos de pensão, por meio da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). A aprovação da regra, entretanto, esbarra até o momento na Constituição Federal, segundo a qual o regime de previdência privada é facultativo.
Para José Ribeiro Pena Neto, diretor-presidente da Abrapp, o texto constitucional não é um impeditivo. "O que temos defendido é que a inscrição automática não tira a possibilidade de a pessoa sair do plano", diz.
O argumento favorável ao modelo tem raízes nos estudos das finanças comportamentais. A ideia básica é que os investidores não são tão racionais quanto descreve a teoria econômica tradicional. Mesmo quando aplicar no plano da empresa é o mais eficiente para eles do ponto de vista de investimento, a falta de tempo, preguiça, inércia e uma inclinação natural a procrastinar impedem a adesão. Vale lembrar que é comum as empresas contribuírem para os planos dos fundos de pensão e esses oferecerem taxas de administração e carregamento inferiores às da previdência aberta.
"Tendemos a postergar as decisões mais complexas o máximo possível, por exemplo a preparação para a aposentadoria", diz Bernardo Nunes, pesquisador brasileiro que se dedica ao tema e é hoje aluno de PhD na Universidade de Stirling, na Escócia. A inscrição automática seria uma forma de usar esse comportamento a favor do investidor, afirma, já que se espera que ele procrastine também uma decisão de sair do plano.
A prática, afirma Nunes, tem se mostrado o método mais efetivo e barato para incrementar a taxa de participação nos planos de previdência. A primeira experiência do tipo, segundo o pesquisador, foi americana e data do fim da década de 90, quando o órgão regulador restringiu benefícios fiscais na previdência apenas às companhias em que o público dos planos de previdência fosse equilibrado, não concentrado nos funcionários de maiores salários, de algum gênero ou idade específica. Era necessária alguma ferramenta para incentivar a adesão.
Programas de educação financeira foram testados na ocasião, conta Nunes, mas tiveram resultados modestos, segundo ele. A aplicação automática foi a solução encontrada pelas próprias companhias para garantir que houvesse representatividade nos planos. Um estudo feito à época pelos economistas americanos Brigitte Madrian e Dennis Shea aponta que a prática levou a uma elevação da taxa de participação em fundos de pensão de 50% para 80%, quando considerados funcionários com ao menos um ano de empresa.
Políticas públicas de inscrição automática surgiram na Nova Zelândia em 2007, no Reino Unido em 2012, onde entra em vigor em etapas até 2018, e estão em discussão na Irlanda neste momento, onde o debate principal é se deveria ou não haver a opção de saída para o participante após a entrada compulsória.
No Reino Unido, um estudo do governo nos primeiros seis meses sob as novas regras, com 42 empresas, apontou um aumento de 61% para 83% na participação dos empregados em fundos de pensão. Entrevistados às vésperas da aplicação do modelo, apenas 15% disseram que provavelmente ou definitivamente optariam por sair do plano depois de inscritos.
No Brasil, o CNPC chegou a fazer uma minuta de resolução, mas no caminho de uma inscrição simplificada, que não agradou. "A intenção foi boa, mas a opção acabou se mostrando mais complicada do que a que já existe hoje", diz o presidente da Abrapp. A ideia básica, explica, é que a instituição até poderia fazer uma inscrição provisória do novo funcionário, mas as contribuições somente poderiam ser descontadas do salário depois que a empresa entrasse em contato com ele e confirmasse o desejo de participar. O texto não saiu do papel e a inscrição automática voltou a debate.
Garantir uma maior adesão aos fundos de pensão seria vantajoso até para quem já faz parte deles, defende Pena Neto, por conta da diluição dos custos fixos e de gastos com seguros, como de invalidez e morte. Os dados mais recentes da Abrapp, referentes a 2013, mostram adesão média aos planos patrocinados de 73%. Se considerados apenas os planos de empresas privadas, o percentual cai para 64%.
Entre os fundos de pensão, entretanto, não há consenso sobre a inscrição automática.
A Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, prevê um acréscimo nos participantes. "Aliado a um programa de educação financeira e previdenciária robusto e consistente, a inscrição automática certamente contribuiria para aumentar o número de adesões aos planos, como vem sendo comprovado nas experiências internacionais", respondeu a entidade em nota.
A Fundação Cesp, maior fundo de pensão do país patrocinado por empresas privadas, também vê o formato com bons olhos. "É bastante favorável e viável adotar a inscrição automática para conseguir mais adesões", afirma Euzébio Bomfim, diretor de previdência da entidade, que reúne funcionários de 15 empresas de energia elétrica. A adesão média aos planos hoje é, segundo a fundação, de 80%.
O esforço de convencimento dos empregados, segundo Bomfim, é significativo. "Os que mais nos dão trabalho são os jovens, que não convivem com a possibilidade da aposentadoria", afirma Bomfim. E há ainda o desafio do contato com os potenciais participantes, como com os eletricistas de distribuidoras, que muitas vezes não têm bases fixas de trabalho e se comunicam com as centrais pelo rádio.
Uma questão que ainda deve ser melhor discutida, aponta o diretor da Fundação Cesp, é o nível de contribuição inicial no caso da inscrição automática. Hoje a entidade busca convencer os funcionários de chegar no mínimo a 12% da renda bruta anual, já que contribuições até esse teto podem ser deduzidas do imposto de renda. É muito comum, entretanto, para novos participantes, segundo Bomfim, definir um nível por volta de 3% do salário, para em seguida tentar convencê-los de elevar a fatia. A expectativa dele é que, se permitido o modelo de inscrição automática, a decisão seja por uma contribuição inicial de nível muito baixa.
Já a Previ, maior fundo de pensão do país, dos funcionários do Banco do Brasil, não vê benefícios para seus participantes no formato em estudo. "Para nós esse modelo de inscrição prévia não teria efeito, seria inócuo", diz Marcel Barros, diretor de seguridade. O dado mais recente, de maio deste ano, mostra 94,8% de filiação dos funcionários ao plano de previdência.
Há dez anos, em 2004, o nível de adesão era mais baixo, de 77,9%. A Previ atribui o crescimento a uma parceria feita com o próprio Banco do Brasil. Já no treinamento obrigatório de uma semana para novos funcionários, uma equipe da entidade apresenta o plano de previdência, os direitos e deveres do participante, o nível de contribuição do próprio banco ao plano e faz a filiação dos interessados. Para os que não se decidem no momento, há um trabalho de rescaldo depois.
"Cremos que é melhor o trabalhador se associar de forma espontânea", diz Barros. "Se faço a filiação automática, pode ser que um dia ele olhe o contracheque e diga: o que é isso? Vou cancelar", completa o diretor.
Caso o modelo de inscrição automático seja aprovado pelo CNPC, Barros espera que ele seja voluntário, ou seja, que a entidade possa escolher se vai participar ou não. "Reconheço que para outros institutos, de menor porte, pode ser interessante, porque eles não têm a mesma capilaridade que conseguimos por termos um convênio com o banco", afirma.
Nunes, pesquisador da Universidade de Stirling, não vê conflito entre educar o participante e ter inscrição automática. "São complementares e não excludentes", destaca. O fundo de pensão poderia usar a educação financeira, diz, até para instruir o participante a optar por sair do plano caso não seja o melhor no caso dele, se tiver muitas dívidas por exemplo. Ou para incentivar aportes maiores. Além disso, para ele, seria interessante que a regulamentação simplesmente passasse a permitir o mecanismo, deixando ao fundo de pensão a decisão de aderir ou não.
A especialista em educação financeira Annamaria Lusardi, professora da George Washington School of Business, também critica quem pensa na inscrição automática em fundos de pensão como uma alternativa. "O sistema não funciona bem sem educação", diz, considerando que, quando apenas a inscrição é feita, a tendência é que o investidor retire os recursos da previdência diante da primeira necessidade.
Esse tipo de abordagem, em que de certa forma toma-se uma decisão pelo cidadão, foi consagrada pelo livro "Nudge", dos especialistas em economia comportamental Richard Thaler e Cass Sunstein. Annamaria chama a atenção para os limites desse tipo de iniciativa. Ela até pode simplificar o mundo, considera, mas não leva em conta o fato de que as pessoas são muito diferentes e que nem sempre uma solução serve para todas.