Financiando a luta pelo clima

Bancos de desenvolvimento estão em boas condições de contribuir

10/02/2015

Por Anne Paugam

A mudança climática já
está devastando todo
o mundo em desenvolvimento.
O Vietnã, por
exemplo, informou que catástrofes
naturais, algumas delas exacerbadas
pela mudança climática,
causaram prejuízos anuais
equivalentes a 2% de seu PIB. Em
países dependentes da agricultura
como a Etiópia, secas mais
prolongadas e maior frequência
de enchentes ameaçam a subsistência
e o abastecimento alimentar
de muitos.

Num momento em que a comunidade
internacional se prepara
para a Conferência de Mudança
Climática da ONU a realizar-
se em Paris em dezembro, a
identificação e racionalização de
fontes de financiamento para o
combate à mudança climática
tem de ser a prioridade. Bancos
de desenvolvimento como a
Agência Francesa de Desenvolvimento
(AFD), da qual sou a principal
executiva, estão em boas
condições de contribuir.

Para começar, os bancos de desenvolvimento
podem financiar
projetos que beneficiem tanto o
desenvolvimento quanto o meio
ambiente. O aquecimento global
é atualmente fator vital a considerar
no planejamento de qualquer
projeto de desenvolvimento.
Por exemplo, os efeitos da mudança
climática podem representar
riscos decisivos à infraestrutura
— irrigação agrícola,
transporte público ou quase
qualquer outra área. Por outro
lado, a expansão da renda — o
objetivo de qualquer esforço de
desenvolvimento — quase sempre
implica aumento do consumo
de recursos naturais e de
energia, o que resulta em mais
emissões e mais aquecimento.

Essas imbricações entre aquecimento
global e desenvolvimento
explicam por que o governo da
França exige que pelo menos 50%
do financiamento fornecido pela
AFD seja direcionado a projetos
de desenvolvimento que também
tenham um impacto positivo sobre
o meio ambiente. Entre os
exemplos estão parques eólicos
na Etiópia, melhor gestão florestal
no Madagascar, planos climáticos
de âmbito nacional na Indonésia
e no Vietnã e transporte urbano
limpo na Colômbia.

Os bancos de desenvolvimento
também podem desempenhar
importante papel na criação de
instrumentos financeiros que
permitam que os investidores
privados contribuam com a luta
contra a mudança climática. Mas
o atual desafio de financiamento
não envolve apenas a quantidade.
Embora as potenciais fontes
de financiamento ao desenvolvimento
favoráveis ao clima incluam
atualmente fundos de
pensão, seguradoras, fundações
e fundos soberanos, o que muitas
vezes falta são mecanismos para
garantir que os investimentos sejam
canalizados para projetos
bem-direcionados e eficazes.

Uma das soluções são os bônus
“verdes” (ou “climáticos”).
Esses instrumentos têm todas as
características dos bônus convencionais,
mas são lastreados
em investimentos que contribuem
para o desenvolvimento
sustentável ou para o combate à
mudança climática.

Até recentemente apenas
umas poucas organizações ou governos,
como o Banco Mundial, o
Estado americano de Massachusetts
e a região francesa de Île de
France, emitiam bônus verdes e
geralmente os volumes envolvidos
eram modestos. Mas nos últimos
dois anos outros participantes
ingressaram nesse mercado e
os volumes dispararam. Em 2014,
as emissões de bônus verdes ultrapassaram
o total de todos os
anos anteriores somados.

Na verdade, a demanda está
superando a oferta. As mais recentes
ofertas de bônus foram todas
sobressubscritas – e a tendência
tende a se manter. O setor de
seguros se comprometeu a dobrar
seus investimentos verdes,
para US$ 84 bilhões, até o fim de
2015. E, em setembro, três grandes
fundos de pensão da América
do Norte e da Europa anunciaram
planos de aumentar suas
participações em investimentos
de baixo carbono em mais de
US$ 31 bilhões até 2020.

Com a expansão do mercado
para esses bônus, eles precisarão
ser mais bem classificados e certificados.
Atualmente não existem
padrões harmonizados. A
qualidade dos ativos que lastreiam
os bônus depende unicamente
da boa vontade e das habilidades
técnicas dos emissores.
Têm de ser desenvolvidas diretrizes
e métodos de classificação específicos.
Nesse contexto, a recente
decisão de uma coalizão de
investidores institucionais de
medir e divulgar a pegada de carbono
de pelo menos US$ 500 bilhões
em investimentos representa
um passo à frente.

Em setembro, a AFD emitiu €1
bilhão (US$ 1,2 bilhão) em bônus
climáticos. Um dos objetivos era
contribuir para o desenvolvimento
de padrões de qualidade concretos.
Com a ajuda do principal
órgão que classifica a responsabilidade
social corporativa, conseguimos
oferecer aos investidores informações
sólidas — e um processo
de prestação de contas — sobre
o impacto direto da carteira sobre
as emissões de gases-estufa. Na
verdade, exigiu-se que os projetos
financiados por esses bônus cumprissem
critérios rigorosos, que incluíram
uma análise prévia de sua
pegada de carbono, uma prova de
um claro e significativo impacto
sobre a mudança climática, e uma
concepção que fosse alinhada com
o conjunto das estratégias perseguidas
pelos participantes regionais
e pelos países.

Os bônus climáticos têm o potencial
de fortalecer países e instituições
na medida em que se
encaminham na direção de
cumprir compromissos fiscalizáveis
destinados a reduzir as
emissões de CO2. No entanto,
para serem eficazes, exigirão diretrizes
claras e uma estrutura
confiável de avaliação. Num momento
em que dirigentes de países
e instituições de todo o mundo
se preparam para se reunir
em Paris em dezembro, costurar
bem o financiamento deve ser a
prioridade máxima. (Tradução
de Rachel Warszawski)
---
Anne Paugam é principal executiva da
instituição financeira francesa de
desenvolvimento Agence Française de
Développement. A França será a anfitriã
da COP 21 em dezembro de 2015 em
Paris.Copyright: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Fonte: Valor Econômico