Previdência (VI): o efeito dos juros

A previdência complementar não estava pronta em 2012 para uma situação de juros baixos

10/02/2015

Por Fabio Giambiagi

Este artigo é parte de um
conjunto de oito textos
cujo objetivo é dar uma
modesta contribuição
para que o país se prepare adequadamente
para uma situação
de taxa de juros estruturalmente
baixa. No governo Dilma, os juros
caíram durante um breve período,
apenas para voltar a subir
posteriormente. Se a taxa Selic tivesse
permanecido baixa, a vida
nacional sofreria uma série de
impactos. Este conjunto de notas
versa sobre o que aconteceria na
área dos fundos de pensão. O que
se pretende é que no dia em que
os juros caírem de verdade e estruturalmente
— e não por apenas
poucos meses — o país esteja
devidamente preparado. Em
2012, não estava.

Nos artigos anteriores, foi analisado
o cálculo da contribuição
necessária para ter uma renda
complementar na aposentadoria;
foi calculada essa renda complementar;
mostrou-se qual o requerimento
de capital associado
a uma certa aspiração de renda
complementar futura; demonstrou-
se o poder que pequenas alterações
nos juros têm sobre o
capital acumulado; e foi exposto
o conceito de “alíquota de equilíbrio
atuarial”. No encontro de
hoje, iremos explicar como uma
mudança da taxa de juros pode
transformar uma situação de
equilíbrio em um caso de desequilíbrio
dramático, na ausência
de medidas compensatórias.

Tomamos como referência (de
agora em diante chamado de “Caso
A”) a situação de um fundo de
pensão com ativos iniciais, por hipótese,
de R$ 10 bilhões e um fluxo
de caixa inicialmente superavitário
resultante da diferença entre a
contribuição dos ativos e o pagamento
aos assistidos, de R$ 100
milhões/mês. Supõe-se um contexto
inicial em que a taxa de remuneração
real do ativo é de 6 % ao ano.
Definiu-se uma trajetória arbitrária
conforme a qual, ao longo dos
80 anos seguintes, esse fluxo se reduz,
de tal forma que o saldo final
do ativo acumulado seja estritamente
zero. O valor encontrado da
redução mensal do fluxo de caixa,
para chegar a esse resultado exato,
foi de R$ 759.827,07.

Trabalhamos com valores reais,
sem considerar a inflação, para facilitar.
Assim, no segundo mês o
fluxo de caixa hipotético é de
R$ 99,240 milhões e assim sucessivamente.
Já o saldo acumulado
cresce duplamente, no começo, pelaincorporaçãodaremuneraçãofinanceira
e pelo fato do fluxo de caixa
ser positivo, até a trajetória negativa
do fluxo de caixa passar a diminuir
o estoque acumulado. No
final de 80 anos (960 meses), o fluxo
de caixa no último mês do último
ano é negativo em R$ 629 milhões.
O valor presente a preços do
mês 0 desse mesmo fluxo, porém, é
de apenas R$ 6 milhões, dada uma
taxa de desconto de 6 % ao ano.

Já no Caso B, os fluxos monetários
— ou seja, a trajetória do fluxo
de caixa — são idênticos aos
do Caso A, porém supõe-se uma
taxa de remuneração de 3 %. Nesse
caso, no décimo-segundo mês
do ano 80, o mesmo fluxo de caixa
negativo de R$ 629 milhões está
associado a um valor presente
a preços do mês 0 de R$ 59 milhões,
da ordem de 10 vezes do
Caso A. Com uma menor remuneração
do ativo, a diferença entre
o pagamento a assistidos e as
contribuições acaba pesando
mais em termos relativos e o sal-
do declina rapidamente. No final
do processo, o ativo desaparece e
o saldo do passivo é de espantosos
R$ 411 bilhões. Os gráficos 1 e
2 fornecem uma visão do processo.
No gráfico 1, mostra-se a diferença
entre o comportamento
dos fluxos de caixa expressos
mês a mês a valor presente do
mês 0, enquanto o gráfico 2 exibe
as trajetórias do saldo acumulado
do ativo – ou, se negativo, do
passivo – nos Casos A e B.

Os exemplos são obviamente
inventados e embutem algumas
simplificações que qualquer
pessoa familiarizada com questões
atuariais identificará rapidamente.
Eles são úteis, porém,
para o leitor ter uma dimensão
de como uma taxa de juros elevada
favorece a geração futura
de uma renda complementar. O
sistema de previdência complementar
não estava pronto em
2012 para uma situação de juros
estruturalmente baixos – digamos,
juros reais de longo prazo
de 2 ou 3 % ao ano. Resta esperar
que se os juros voltarem a cair,
daqui a alguns anos, estejamos
melhor preparados. Em tais circunstâncias,
quem contribui para
um fundo de pensão terá que
poupar mais, se quiser preservar
a aposentadoria intacta — a não
ser que se apele para o velho recurso
de pedir uma capitalização
do Tesouro.

Fabio Giambiagi , economista,
coorganizador do livro “Economia
Brasileira Contemporânea: 1945/2010”
(Editora Campus), escreve mensalmente
às quartas-feiras. E-mail:
fgiambia@terra.com.br.

Fonte: Valor Econômico