A influência difusa do governo na economia

Obra discute modelo que se desenvolve na fronteira entre o público e o privado

03/03/3015

Por Oscar Pilagallo, para o Valor, de São Paulo

Reinventando o Capitalismo de
Estado - O Leviatã nos Negócios:
Brasil e Outros Países”
Aldo Musacchio e Sergio G.
Lazzarini. Trad.: Afonso Celso da
Cunha Serra. Portfolio Penguin (406
págs. / R$ 49,90)
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Os escândalos na Petrobras, as
dúvidas sobre a JBS e as pressões
do governo contra a Vale mostram
algumas distorções do novo
capitalismo de Estado, fenômeno
observado no Brasil e em
muitos países, sobretudo emergentes.
Os exemplos são analisados
em “Reinventando o Capitalismo
de Estado”, dos economistas
Aldo Musacchio, da
Harvard Business School, e Sergio
Lazzarini, do Insper.

Os autores identificam nesse
novo modelo o risco de fortalecimento
da “mão espoliadora do
Estado”, metáfora que remete à
clássica “mão invisível do mercado”.
Embora ambos pertençam
ao campo liberal, não há no livro
intenção de condenar a nova
versão de intervenção estatal.
Sem expressar juízo de valor
nem levantar bandeiras sobre
um tema ideologicamente polarizado,
os professores consideram
irrelevante o debate sobre
a participação do Leviatã na
economia, por se tratar de fato
consumado. A questão, dizem,
é como garantir que a mão espoliadora
se transforme em
“mão cuidadora”, favorável ao
desenvolvimento econômico.

Musacchio e Lazzarini propõem
uma taxonomia desse novo
capitalismo, de acordo com a
intensidade da presença do governo.
O modelo tradicional — o
“Leviatã como empreendedor”,
ou seja, a empresa estatal — continua
existindo, apesar de estar
em declínio depois da onda de
privatizações. Os novos modelos
são os de “Leviatã como investidor
majoritário”, mais comum
na China e que no Brasil
tem na Petrobras o maior exem-
plo, e “Leviatã como investidor
minoritário”, a forma mais híbrida
de capitalismo de Estado,
que tem avançado no Brasil.

Tal classificação parte de uma
definição mais abrangente de capitalismo
de Estado. Para os autores,
trata-se da “influência difusa
do governo na economia, seja
mediante participação minoritária
ou majoritária nas empresas,
seja por meio de fornecimento de
crédito subsidiado e/ou de outros
privilégios a negócios privados”.

Escrito originalmente em inglês,
para a Harvard University
Press, “Reinventando o Capitalismo
de Estado” foi concluído
antes que se avolumassem as
suspeitas contra a administração
da Petrobras. O livro registra
que a abertura de capital alavancou
a governança da empresa,
mas afirma não estar claro “se a
interferência política foi restringida”.
Embora o caso esteja
aberto, parece evidente que hoje
a dúvida não se justifica.

A defasagem de informação,
porém, não prejudica a análise.
Musacchio e Lazzarini inserem a
Petrobras no universo de 30 petrolíferas
estatais “que atuam como
intermediárias do fluxo de
renda que os governos recebem
com a exploração de petróleo e
de gás”. Dessa perspectiva não
há muita diferença entre a Petrobras
e outras estatais do setor.
“É nessas empresas que a
tentação do governo de intervir
na administração se manifesta
com mais intensidade.”

O que diferencia essas estatais
é o controle a que estão sujeitas.
No caso do Brasil, “a Agência Nacional
do Petróleo é relativamente
fraca e muito dependente
do governo. Em consequência,
o presidente do Brasil e o ministro
das Minas e Energia são os
‘reguladores’ de fato da Petrobras”.
Na Noruega, em contraste,
a existência de agência regulatória
autônoma e forte “ajudou
a desenvolver freios e contrapesos
institucionais que reduziram
a capacidade do governo
de intervir diretamente”.

Os autores não discutem o mérito
da intervenção política. Registram
tanto a visão desfavorável,
em que se destaca a motivação
política, como a visão favorável,
em que pesa o interesse em
fazer política industrial ou em alcançar
objetivos sociais. A questão
é que, no caso de empresas
negociadas em Bolsa, quem paga
a conta não é a sociedade, por
meio de um Orçamento transparente
aprovado pelo Congresso
eleito democraticamente, mas o
acionista minoritário.

A pressão do Leviatã para obter
ganhos políticos e sociais atinge
também empresas privatizadas
em que o governo manteve presença
como acionista minoritário.
É o caso da Vale. Vendida pelo
governo em 1997, a empresa
continua sujeita à “interferência
residual” do Estado, que detém
participação acionária indireta
por meio de fundos de pensão
de estatais. Tal pressão atingiu o
ápice no fim do governo Lula,
que afastou um CEO bem-sucedido,
Roger Agnelli, por sua resistência
em usar a Vale para fazer
política social e industrial.

O livro também aborda, embora
com menos profundidade,
o caso da JBS, a processadora de
carne escolhida pelo governo para
ser campeã nacional. A empresa
deslanchou nos últimos anos,
tornando-se uma gigante mundial,
depois de empréstimos vultosos
e participações significativas
do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico
e Social), que chegou a controlar
quase um terço da empresa.

Sem mencionar especificamente
a JBS, os autores apontam
como problemas da política de
campeões nacionais as distorções
no mercado, o potencial de compadrio
e a seleção do beneficiado
de acordo com objetivos políticos.
“Os campeões nacionais podem
ser outra manifestação do
governo de induzir o setor privado
a pagar dividendos políticos.”

Musacchio e Lazzarini não
poupam críticas ao papel do BNDES.
Para eles, o atual modelo de
funding do banco, baseado em
contribuições sobre a folha de
pagamento das empresas e empréstimos
de longo prazo do Tesouro,
gera três distorções na
economia: incha as folhas de pagamentos,
sufoca o investimento
privado (ao absorver grande parte
do crédito disponível) e aumenta
a dívida bruta do país.

Para os autores, essa estratégia
poderia até fazer sentido
para um banco de desenvolvimento
que usasse os recursos
para financiar projetos que, de
outra maneira, não teriam financiamento.
Mas certamente
esse não é caso dos campeões
nacionais, empresas com acesso
a linhas de crédito preferencial.

Pesquisa acadêmica rigorosa,
“Reinventando o Capitalismo de
Estado” escapa da discussão pautada
por posições preconcebidas,
além de indicar respostas e
fazer perguntas que podem contribuir
para o debate sobre a eficiência
de um modelo econômico
que se desenvolve na fronteira
entre o público e o privado.

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Oscar Pilagallo é jornalista e autor de
“História da Imprensa Paulista” e “A
Aventura do Dinheiro”.

Fonte: Valor Econômico