Juros elevados no Brasil
Na semana passada, tratei dos juros nulos nas economias desenvolvidas. Argumentei que vigora na economia japonesa equilíbrio ineficiente: o esforço poupador da sociedade produz excesso de investimento e de poupança e, portanto, consumo menor do que o razoável.
Todos, ao tentar poupar, jogam os juros para baixo e induzem a acumulação de um estoque de capital muito pouco produtivo. Seria melhor aumentar o consumo e reduzir a poupança e o ritmo de acumulação de capital. Essa situação poderia ser atingida com aumento do gasto público, financiado por emissão de moeda, para sustentar um Estado de bem-estar social mais generoso.
No espelho do Japão, na economia brasileira, vigora o equilíbrio oposto. Temos para nossa renda per capita e para nosso estágio de desenvolvimento demográfico um gasto com Previdência excessivo. Essa despesa excessiva induz taxas de poupança muito baixas, o que gera juros reais elevados, pressão inflacionária permanente, câmbio valorizado e dificuldades da indústria de transformação.
O gasto previdenciário do setor privado é de 7% do PIB, e o do setor público, de 4,3% do PIB. Há também o benefício não contributivo para idosos, de 0,7% do PIB. Tudo somado, obtemos 12% do PIB.
A média dos países majoritariamente ricos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) gasta hoje com Previdência 9% do PIB. Simulações sugerem que, quando essas economias completarem a transição demográfica, o gasto será de 10%. O fato de o aumento ser pequeno deve-se a esses países estarem muito avançados na dinâmica demográfica, mas também a terem eliminado a aposentadoria por tempo de contribuição e adotado idade mínima em torno de 67 anos, com igualdade de gênero.
Projeções para o Brasil sugerem que, após termos completado nossa transição demográfica, o gasto previdenciário será da ordem de 21% do PIB, o dobro, portanto, do gasto das economias da OCDE.
As regras previdenciárias têm forte impacto sobre o comportamento das pessoas. Como ocorre para o Japão, mas com o sinal trocado, garantias de rendas futuras reduzem o estímulo à poupança no Brasil. Apesar de hoje gastarmos 12% do PIB, nossas regras estão associadas a um gasto no longo prazo de 21%. Todas as escolhas de trabalho, consumo, poupança e lazer das famílias são condicionadas pelos incentivos implícitos nas regras previdenciárias.
Ou seja, nós nos comportamos como uma sociedade que, no fim do desenvolvimento demográfico, garantirá benefícios da ordem de 21% do PIB, o dobro do que as economias da OCDE garantirão.
É muito difícil uma sociedade que se preparou para investir –isto é, construir metrôs, trens-balas, estradas etc.– alterar seu padrão de gasto, de investimento para consumo. É necessário transformar um trabalhador da construção civil em um garçom, por exemplo. Esse é o desafio atual pelo qual passa a China, que tem questões nessa área semelhantes às do Japão, mas num contexto e numa etapa de desenvolvimento diferentes.
O caminho inverso, transformar um garçom em trabalhador da construção civil, também é difícil. Mas não há outra saída se quisermos no Brasil melhorar a infraestrutura urbana, alavancar o crescimento, fugir da armadilha da renda média e construir um futuro melhor para nossos filhos.
Um bom início seria que os políticos se debruçassem sobre a proposta de reforma da Previdência que a presidente enviará ao Congresso em algumas semanas. (Samuel PEssôa - Folha de S.Paulo-06.03)